(primeiro lugar no Concurso de Redação para professores-Academia Brasileira de
Letras-Folha Dirigida-2005)
Nossa civilização ocidental pautada no olhar destaca a imagem cada vez mais e parece ofuscar o exercício da palavra. Para que informações sejam veiculadas o mais rapidamente possível, vê-se o texto ameaçado pelo constante limite de expressão. Entretanto, não se pode esquecer que a imagem é substantivo adjetivá-la é a feliz tarefa da palavra.
Escritores ao longo dos anos teem buscado mesclar ao sentido da visão odores e sons muito marcantes proporcionando aos leitores o mergulho num mundo onde o imaginário artístico completa a vida. Os discursos multicoloridos revelam nuances, ambiguidades não percebidas ou solucionadas no cotidiano porque tuteladas, por imposição, pela representação plástica. A palavra liberta o olhar que a imagem dirige; torna-o transitivo. A parceria entre as duas traz para uma mesma cena uma gama de interpretações, porque o discurso está sempre se ultrapassando. O indivíduo, se só exposto à profusão de imagens pode, aturdido, abrir mão do encantamento da descoberta e não realizar todo o potencial a que é chamado dia-a-dia.
O texto tem uma forma humana, sua linguagem vem revestida de pele e, por isso, o prazer advindo da leitura nunca se esgotará. Ao contrário, ao lado, da mais alta tecnologia está o fascínio despertado pelo livro quando do toque nas folhas de papel, ao virar das páginas. A relação que se tem com as letras é física. O texto costurado, tecido, dá origem a inúmeras emoções, magicamente definidas. O poder e a força da palavra escrita nunca poderão fenecer, já que esta constitui resultado da necessidade intrínseca a todo indivíduo - comunicar sensações, tornando-as perenes. O equilíbrio que traz a palavra evita o entorpecimento dos outros sentidos,vestindo-os de uma eficiente função significativa e concedendo-lhe consistência. O corpo textual desafia a lógica, acorda a imaginação, convoca o belo e altera a mente dos homens e a cor das coisas. O agradável jogo estabelecdo entre autor e leitor provoca o deslocamento de qualquer pré-concepção e desencadeia um sentimento de deleite diante do mundo. A viagem a que a literatura convida liga o indivíduo a tudo que o cerca.
A imagem (na televisão, por exemplo) parece nos aproximar com propriedades estáveis e imediatamente perceptíveis quando, na verdade, a rapidez de sua veiculação a dilui e facilmente pode cair no esquecimento. A escrita produz e desvenda seus próprios segredos, para iniciar-nos em outros. Juntas, no entanto, podem imprimir e eternizar um efeito, evitando, assim, o encapsulamento de uma ideia e mantendo os indivíduos comprometidos.
A atração pela palavra exclui, portanto, toda possibilidade de se tê-la suprimida. O direito à expressão adquirido quando do primeiro uso da escrita e, felizmente, irreversível. Mesmo numa era de intensos avançoes, o espaço do texto estará para sempre garantido pela memória de seus amantes.
sábado, 30 de junho de 2012
quinta-feira, 28 de junho de 2012
food for thought-special
UMA EXPERIMENTAÇÃO PARA A CRISE
Stella Maria Ferreira
(texto publicado na Revista Garrafa-Faculdade de Letras da UFRJ)
“Foi despojado do diverso um
E dos rostos, que são o que eram antes
Das ruas próximas, hoje distantes (...)
Resta dos livros o que lhe consente
A memória, essa forma de olvido
Que retém o formato, não o sentido,
E que reflete os títulos somente.
O desnível espreita. Cada passo
Pode ser uma queda. Sou o lento
Prisioneiro de um tempo sonolento
Que não marca sua aurora nem seu ocaso.
É noite. Não há outros (...)”
1
A ‘cegueira física’ de Jorge Luis Borges é metáfora para uma cegueira que se
instala em nosso tempo – de esgotamento de experimentações. As redes das
significações caracterizam-se pelas dualidades múltiplo
x fragmentado e pluralidade x
anulação. Uma limitada utilização do sentido da visão, tão privilegiado, levou-nos a
desconsiderar o que poderia estar elíptico e isso fez toda a diferença. Na raiz do que
nos é apresentado, pode haver cálculos errôneos, inversões, falhas de apreciação,
desvios. Ver algo significa ignorar alguma coisa também. Outras opções de percepção
são deixadas de lado. Esta ‘cegueira’ deve ser levada em consideração.
Tomando o século XIX como prefaciador das grandes experimentações que se
instaurariam no século XX, passaremos à verificação dos elementos neutralizadores
deste ímpeto de revolucionar-se observado nos dias de hoje, na chamada pósmodernidade.
Como leitor apaixonado que, no manejo da linha, escolhe a entre-linha,
acompanhamos Heráclito quando diz: “...é à vossa vista curta e não á essência das
coisas que se deve o fato de julgardes encontrar terra firme no mar do devir e da
evanescência. Usais o nome das coisas como se tivessem uma duração fixa; mas até
o próprio rio, no qual entrais pela segunda vez, já não é o mesmo que era da primeira
vez.” ( NIETZSCHE, 2002 , p.40), e desejamos o caminho do diálogo que nos re-situe
nesse espaço disseminado. Espaço que gerou uniformidade e não igualdade; espaço
submerso numa multiplicação de tendências que ao invés de ser experimental, gera
padronização.
Para tanto, tomaremos três textos: o conto
Wakefield de Nathaniel Hawthorne
(1835), o romance
A invenção da solidão de Paul Auster (1988) e o ensaio A muralha e
os livros
de Jorge Luis Borges (1950).
O conto do americano Hawthorne – elogiado por Borges como sendo “um mundo
de castigos enigmáticos e de culpas indecifráveis” (citado em TAVARES, 2005,p.50)
– constitui um exercício de duplicidade do sujeito. Hawthorne apresenta inquietações
que serão explicitadas na proposição nietzschiana de que a verdade estaria onde o
estilo de pensamento disse que ela está. Os disfarces de que o protagonista lança
mão, como elementos estéticos para uma nova identidade, ratificam a idéia de que
todas as nossas orientações são produzidas poeticamente, estruturadas
ficcionalmente. As formas de nosso agir, inclusive o conhecer demonstraram caráter
de produção e, se a realidade é construção, é preciso contar com o surgimento de
mundos muito diferentes. Transferimos um estímulo nervoso para uma imagem, esta
para um som e, finalmente, para um conceito. Através dessas transferências de uma
esfera para outra, as camadas de realidade emergem. Assim, o protagonista que dá
título ao conto, em certa tarde de outubro, despede-se da esposa para uma breve
viagem ao campo, alertando-a que não deve passar de três ou quatro dias.
O narrador, onisciente, o segue e diz: “Devemos apressarmo-nos atrás dele pela
rua, antes que se dissipe sua individualidade e se mescle à grande massa da vida
londrina, onde seria inútil procurá-lo.” (p.52). Fazemos aqui uma pausa no trajeto para
acentuar a apontada insatisfação com a progressiva massificação emanada dos inícios
da Revolução Industrial. Continuamos, agora, com o personagem que adentra um
apartamento que provavelmente já havia reservado para aluguel e, a partir daí, passa
a observar pela janela as conseqüências, para a esposa, de sua travessura: “...ele não
retornará enquanto ela não estiver quase morta de medo”, diz o narrador. Passadas
algumas semanas, começa um movimento de carruagens em frente à casa, sendo
uma delas de um médico: “que deposita seu corpanzil solene, coroado por longa
peruca, à porta da casa.” (p.56) e o auto-exilado sente-se compelido a voltar, mas,
surpreendentemente, não o faz: “Havia inventado (ou por outra, sucedera-lhe) de
apartar-se do mundo – desaparecer – abrindo mão de seu lugar e seus privilégios
junto aos vivos, sem com isso ser admitido entre os mortos.” (p.57). Utiliza-se, de
agora em diante, disfarces para seguir de perto os passos da esposa. Diretor e
roteirista do filme de sua vida, no vigésimo ano de seu desaparecimento pára junto à
casa e avista “através das vidraças da sala do segundo andar, o clarão avermelhado e
o bruxuleio e o brilho intermitente de uma aconchegante lareira. No teto se projeta uma
sombra grotesca da boa Sra. Wakefield” . Ele galga os degraus, bate à porta, que se
abre. O narrador termina assim: “Não seguiremos nosso amigo após transpor a
soleira. Ele já nos proporcionou bastante material para reflexão, parte do qual
emprestará sua sabedoria a uma moral e será moldado numa imagem. Em meio à
aparente confusão de nosso mundo misterioso, os indivíduos estão tão bem ajustados
ao sistema e os sistemas entre si e a um todo, que, ao colocar-se à margem por um
instante, o sujeito expõe-se ao temerário risco de perder para sempre seu lugar.”
(p.59).
Vítima de um aparente encantamento, Wakefield enreda-se em uma teia que o
compele a suspender o tempo linear e manipular seu destino. Em meio a
impossibilidades, vê a oportunidade de de-cidir-se para afirmar sua própria liberdade.
Depreende-se, assim, que só houve movimento, ação, durante os vinte anos de
ausência. Até então, fora prisioneiro de uma existência medíocre, pré-determinada.
Como ‘marginal’ que recusa o mesmo, pelo exercício da imaginação, liberou a
inconsciência das amarras do consciente manipulado e manipulável. Experimentou
seu outro, por isso, pôde voltar à casa calmamente – por mais estranho que possa
parecer, depois de vinte anos de ausência – sem culpa. A casa, silenciosos palco do
estertor de uma existência sem perspectivas era, agora, eloqüentemente, um ‘lugar’,
seu lugar. Os olhos de Wakefield foram abertos a partir da audácia que teve para ouvir
de si a urgência de uma mudança.
A experimentação do personagem toma contornos mais interessantes ao
considerarmos que, segundo Borges, Hawthorne teria imaginado o conto a partir de
certa história lida em um jornal : “Hawthorne lera no jornal ou fingiu, com fins literários,
ter lido no jornal, o caso de um senhor inglês que, sem motivo algum, instalou-se a um
passo de sua casa e aí, sem ninguém suspeitar, passou vinte anos
escondido...Quando já o davam por morto...um dia, abriu a porta de casa e
entrou...Hawthorne leu com inquietude o curioso caso e procurou entendê-lo...”
(BORGES,1999 , p. 57).
Consideremos dois pontos: primeiro, uma dúvida intencional que Hawthorne atira
ao leitor sobre ser a base de seu conto um fato real. Isto faz-nos pensar que qualquer
indivíduo comum poderia ter agido como Wakefield. Fez de sua ficção espelho do
sentimento interior de insatisfação do homem da época. Segundo, ao buscar o
entendimento do caso, imagina o homem; sonha a realidade. E este sonho, que é o
conto, nos dá de presente.
Em
A invenção da solidão, Paul Auster apresenta o indivíduo como em um
turbilhão. De início, tenta encontrar a saída e, por fim, sucumbe ao inevitável e tornase
um a mais na multidão confusa, e não mais perplexa. A conseqüência é um vazio e
uma profunda solidão, a que ele se acostuma e aprende a ‘ignorar’.
O autor constrói, assim, uma narrativa labiríntica por meio de fragmentos que, no
exercício da escrita, desvelam uma identidade plural para o homem moderno, tecida
num processo contínuo de descobertas. O ponto de partida escolhido pelo escritorpersonagem
para demonstrar este percurso foi a morte do pai: “um homem morrer
sem nenhuma causa aparente, um homem morrer apenas porque é um homem, nos
leva para tão perto da fronteira invisível ente a vida e a morte que não sabemos mais
de que lado estamos. A vida se transforma em morte e é como se essa morte tivesse
possuído essa vida o tempo todo. Morte sem aviso. Em outras palavras: a vida pára. E
pode parar a qualquer momento.” (p.11).
Dividido em duas partes, o romance explora, de início, a conclusão a que chega o
protagonista revirando papéis, fotos e cartas antigas – ‘objetos de um morto” (p.17) de
que tudo o que o pai vivera havia sido uma grande construção e o modo de vida
paterno, aparentemente indiferente, escondia, na verdade, o medo do confronto
consigo mesmo. A imagem do pai era como de alguém sob uma máscara, não porque
desejava ocultar-se, mas porque ela mesma era parte dele: “como nada tinha
importância, ele dava a si mesmo a liberdade de fazer o que bem entendesse...Toda
vez que se sentia pressionado quase a ponto de ter de se revelar, meu pai se
esquivava do aperto contando uma mentira...O que os outros viam quando meu pai se
apresentava diante deles, portanto, não era o meu pai, na verdade, mas uma pessoa
que ele tinha inventado...Ele mesmo permanecia invisível.” (p.23). Pluralidade que
anula a ação no mundo. O protagonista continua seu caminho como em uma cidade
de vidro onde várias imagens se sobressaem, mas a espessura do vidro distorce toda
beleza. A decisão de escrever sua história “em vez de me curar, como pensei que
fosse acontecer, o ato de escrever manteve essa ferida aberta. Algumas vezes,
cheguei até a sentir sua dor concentrada na minha mão direita, como se toda vez que
eu pegasse a caneta e pressionasse a ponta sobre o papel minha mão estivesse
sendo arrancada do braço.” (p.41). Este dilaceramento descrito, no entanto, constitui a
única esperança contra o esquecimento e a fuga pela indiferença. A única maneira de
experimentar saídas ainda é evitar a cicatrização da ferida.
Na segunda parte do livro, intitulada
Livro da Memória , o estilo entrecortado,
recortado, é espelho de seu interior. Percebe-se em um processo irreversível, no
caminho de encontrar-se junto a zonas de escuridão. Sua primeira reação é o
isolamento. E, tendo a escrita como aliada para iluminação, Auster retoma a idéia da
história em movimentos cíclicos e, assim, ‘dentro da baleia’, resgata textos bíblicos,
relatos de sobreviventes e vítimas do holocausto, mitos como o de Édipo e descrições
de pinturas como as de Van Gogh. Este caminho é montagem efervescente de
imagens descontínuas – saqueadas de todas as partes, em qualquer ordem. Mundo de
cores e formas para onde o protagonista se leva ou leva a história da família, da
humanidade, experimentando as essências da beleza e do sofrimento humanos – “um
mundo em que tudo é duplo, em que a mesma coisa sempre acontece duas vezes.”
(p.95). As recordações vão surgindo espontâneas, perdidas no meio dos
pensamentos. Na memória, as figuras são construídas para depois serem destruídas,
lugar de transformações constantes onde os eventos se desencadeiam de fora para
dentro e vice-versa. A solidão deve ser re-inventada. Auster deixa clara a idéia ao citar
Pascal: “toda infelicidade do homem decorre de uma só coisa: ser incapaz de ficar
sossegado no seu quarto.” (p.95).
A aceitação das diferentes identidades presentes em cada um assusta, mas pode
levar à consideração das diversas vozes até então silenciadas. Ser plural é admitir a
insegurança que se insiste em combater, mas que pode constituir força que rejeita e
desconstrói estereótipos. Produto de uma crise finissecular, este homem moderno
apresentado por Auster busca um espaço onde a comunicação se origina. Não há
mais lugar para as ‘certezas’. Auster não se limitou a descrever o impacto do sujeito,
mas convoca os indivíduos a se repensarem como seres livres.
Afinal, o intrigante
A muralha e os livros que Borges, no terno retorno de todas as
coisas, assim inicia: “Li, dias atrás, que o homem que ordenou a edificação da quase
infinita muralha chinesa foi aquele primeiro imperador, Che-Huang-Ti, que também
mandou queimar todos os livros anteriores a ele. O fato de as duas vastas operações –
as quinhentas a seiscentas léguas de pedra opostas aos bárbaros, a rigorosa abolição
da história, isto é, do passado – procederem da mesma pessoa e serem de certo modo
seus atributos inexplicavelmente agradou-me e, ao mesmo tempo, inquietou-me.
Indagar as razões dessa emoção é o fato desta nota...” (p.9). A partir daí, como em um
sonho – tal qual Hawthorne – imagina Che-Huang-Ti e seus motivos: “...Che-Huang-Ti
talvez quisesse suprimir os livros canônicos porque estes o acusavam” (de ter
condenado a mãe ao desterro por libertinagem) “...Pode ser que o Imperador tenha
tentado recriar o princípio do tempo, tenha-se chamado Primeiro para ser realmente o
primeiro...Talvez a muralha fosse uma metáfora, Talvez Che-Huang- Ti tenha
condenado aqueles que adoravam o passado a uma obra tão vasta quanto o passado,
tão néscia e tão inútil...” (p.10). Fazemos aqui uma pausa para sonhar um destaque ao
caráter volátil do passado para Che-Huang-Ti. Enquanto séculos mais tarde, Auster
lutará para que a memória o ajude a não perder referências, o imperador chinês ‘reescreve’
três mil anos de cronologia ao ordenar a queima dos textos antigos,
produzindo, magicamente, o elixir da imortalidade.
Os experimentos literários apresentados garantem a contínua repetição. O
primeiro sonho, o de Hawthorne, acrescentou maior entendimento aos enigmas
humanos que a literatura, desejando ou não decifrar, imprime inegável selo pictórico. O
segundo, o de Auster, ouve pelo espelho da memória seu destino dedáleo, mas repleto
de sublime esperança. No terceiro, o de Borges, é proposto o seguinte, ao final: “A
música, os estados de felicidade, a mitologia, os rostos trabalhados pelo tempo, certos
crepúsculos e certos lugares querem dizer algo, ou algo disseram que não deveríamos
ter perdido, ou estão prestes a dizer algo; essa iminência de uma revelação, que não
se produz, é talvez o fato estético.” (p.11).
Nos dias atuais, parece-nos imposta uma cultura de ócio que inibe a
criatividade; tudo nos é dado prontamente. Na projeção inversa dos séculos XIX e XX,
precisaríamos redescobrir o descontentamento que mobiliza. Há necessidade de um
passo além.
Sonhamos agora nosso sonho; sonho onde formas se repetem e algumas delas
nutriram estas páginas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AUSTER, P. A invenção da solidão. SP: Companhia das Letras, 1999.
BORGES, J.L. Obras Completas II. SP: Editora Globo, 1999.
FOULCAULT, M. Ditos e escritos III (org. Manoel Barros da Motta). RJ: Editora Forense,
2006.
NIETZSCHE, F. A filosofia na idade trágica dos gregos. Lisboa: Edições 70, 2002.
TAVARES B. (org.). Contos fantásticos no labirinto de Borges. RJ: Casa da palavra, 2005.
1 BORGES, J.L.O cego in Obras Completas II – p.510 )
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Na meia-noite do coração
na meia-noite
do coração em A balada da prisão de Reading.
(texto adaptado de um capítulo de minha tese)
“(...)Pois quem vive mais de uma vida deve
Morrer também mais de uma morte.” .
O
som metálico de correntes é a música incidental que embala o poema publicado em
1898 – e que não parou desde então de ser reimpresso e traduzido na maioria das
línguas do mundo. Obra prima,
universalmente admirada, com três cores predominantes: branco, vermelho e
cinza, que acompanham os últimos dias de condenados à forca. Foi iniciado no
chalé de Bourgeat em Berneval, França, em 1897, após sua saída da prisão. De
todos os poemas por ele confeccionados, mostra-se o mais comovente, o mais
carregado de experiência e de sentimento humanos. Em carta inédita de 19 de
julho, declara seu propósito:
“La poésie est um art difficile, mais j’aime la plus grande
part de
ce que j’en ai fait jusqu’ici.” .
O
compasso das palavras faz com que acompanhemos o prisioneiro-narrador e Wilde no banho de sol, nas refeições, no árduo
trabalho, na solidão de mil e uma noites sem contos, sem letras, tomadas, por
vezes, de fantásticas e sobrenaturais experiências. Os dois corpos agora são um. Diante do
espelho, os rostos podem parecer diferentes, mas a dor os iguala; dobra-se sobre
si mesmo e o embalo que conseguiu imprimir, angustia. O cumprimento da sentença
poria fim às inúmeras ‘mortes’ enfrentadas a cada dia: viveu mais de uma vida,
então “deve morrer também mais de uma morte.” (WILDE, 2003,p. 978). Os versos
de um condenado cuja perturbação está no fato de que: “(...)igual a um ano é
cada dia, ano de dias infindáveis.” (WILDE, 2003,p. 982). A rima, produz neste
ambiente um forte eco, “que no mais fundo do vale das Musas cria sua própria
voz e a ela responde; a rima, que em mãos de um verdadeiro artista é não
somente um elemento material de beleza métrica, mas um elemento espiritual de
pensamento e de paixão, porque desperta novos estados da alma, dá lugar a um
ressurgimento de idéias e abre, com sua doçura e com a sugestão de sonoridade,
portas de ouro que a própria imaginação não conseguiu abrir(...)” (WILDE, 2003,p.1114).
O chamado da Balada não segue o apelo das baladas tradicionais de rua; nela, a
voz de Wilde é angustiada e determinante para que o poema fosse recebido com
elogios.
O esteta, prisioneiro
C3.3, constata, inversamente ao bardo Shakespeare, que os homens matam a quem amam (Bassanio
pergunta a Shylock: ‘Os homens matam aquilo que não amam?’)e matou-se, ao cair
nas teias de uma justiça que desprezava, para renascer da lama e do lodo. Um
dos prisioneiros do poema matou a mulher amada e morreria – não que esse fosse
o destino de todos os criminosos no mundo, mas certamente o seu ( “já não usava
a túnica vermelha/ Pois sangue e vinho são vermelhos;/ E sangue e vinho havia
em suas mãos/ Quando co’a morta o encontraram,/ A pobre mulher morta a quem
amava/ E assassinara no seu leito(...)./Uns matam seu amor, quando são jovens,
Outros quando velhos estão(...)Uns matam a chorar, com muitas lágrimas, Outros
sem mesmo suspirar../.Mas nem todos hão de morrer(...)”- WILDE, 2003,p.
969/970) .
No mesmo ano de 1898,
após sua liberação, escreve ao diretor do Daily Chronicle “na qualidade de
homem que conhece a vida em uma prisão inglesa por experiência pessoal(...)” (WILDE,2003,p.1446)
sobre as condições e possíveis reformas no sistema presidiário, pois, uma das
coisas mais trágicas da vida na prisão é petrificar o coração humano. Os sentimentos e o afeto
natural, como todos os demais, necessitam nutrir-se de algo, porque morrem
facilmente de inanição...” (WILDE, 2003,p.1449). Assim, o condenado narrador da Balada, sucumbe ao irresistível desejo de
morrer diante da aterradora solidão, pois “(...) nunca se aproxima voz humana/
Para dizer meiga palavra;/ Os olhos que da porta nos vigiam/ São duros e sem
compaixão(...)” (WILDE, 2003,p.983). Esperava ansioso o derradeiro véu.
Haveria, assim, paz? Não sabia. O desespero interior que o corroera por dentro
só deixara brecha para esperança na morte: “A água salobra que bebemos lenta/
Com lodo, escorre, repugnante;/ E o amargo pão que pesam em balanças/ Está cheio
de cal e gesso/ E de olhar desvairado insone vaga/ O Sono o Tempo a implorar.”
(WILDE, 2003,p.983). Indiferente a tudo a seu redor – assim aprendera com os
anos de confinamento : “E assim enferrujamos a corrente/ Da Vida, sós e
degradados;/ Alguns praguejam, outros homens choram,/ E outros nem um gemido
dão(...)” (WILDE, 2003,p.983) – aguarda contrito “as mãos sagradas que levaram/
O Bom Ladrão ao Paraíso(...)” (WILDE, 2003,p.984). O narrador está entregue a
profunda desilusão, de onde se pergunta insistentemente se poderá renascer em outra vida. Ele e seus
companheiros, porém, “Esquecidos de que grande ou pequeno/ Fora o mal por nós
praticado, olhávamos com triste olhar de espanto/ O homem à forca condenado/ E
era estranho que o véssemos passar/ Alegre e leve a caminhar /E era estranho
que o véssemos olhando/ Tão ansioso a luz do dia,/ E era estranho pensar que
ele tivvesse /Tamanha dívida a pagar.” (WILDE, 2003,p.972). O condenado, diferentemente dos outros – até
do narrador- abraçara o destino com estranha alegria; superara o sofrimento do
erro e sentia ser a morte a libertação dele que matara a quem amara. O impacto
deste comportamento do companheiro foi tão grande que tem, certa noite – que
podia ser qualquer uma ou todas - uma visão estarrecedora : a dança de
criaturas imaginadas que, moviam-se loucamente e pareciam mais vivas e reais
que ele – de corpo e alma agrilhoados e, aqui, o efeito hipnótico da dança – marcadamente
assustadora e macabra – “(...)E rápidos passavam, deslizavam,/ Como na névoa os
viajantes; /Imitavam a lua numa dança/ De giro e curvas delicados,/ E com passo
solene e graça vil /Ao sabá chegavam as almas. /Passar vimos com careta e
momos,/ Quais frágeis sombras de mãos dadas,/ Em tropel fantasmal rodopiando/
Dançaram a sarabanda:/ Os danados grotescos como o vento/ Na areia traçam
arabescos!/ Com piruetas de marionetes/ Em pontas de pé saltitavam;/ Mas as
plantas do Medo retiniam/ Naquela horrenda mascarada/ E cantavam bem alto e
longamente(...)” (WILDE, 2003,p.976). O texto, portanto, guarda o elemento de
sedução da morte tão peculiar nos decadentistas. A idéia, no entanto, fica
ainda mais significativa quando, adiante, descrevendo o dia de trabalho, tece
uma comparação: “A girar pelo pátio, lentamente,/ Éramos loucos em parada!(...)E
a cabeça rapada e pés de chumbo/ Formam alegre mascarada./ Cordas alcatroadas
esfiávamos/ Com unhas roídas a sangrar;/ Esfregávamos porta, co chão
limpávamos, /Púnhamos grades a luzir; /Aos grupos, o soalho ensaboávamos,/
Chocando baldes com barulho(...)” (WILDE, 2003,p.974). Wilde convida mais uma
vez para essa manifestação artística, recurso para que sentimentos sejam
expostos. Desta vez, não marcada pela sedução que pode levar à morte, como em
Salomé, mas pela morbidez, como se o personagem experimentasse o pesadelo anterior
à fatídica visita da morte.
Enfim, este serão lúgubre chega ao fim,
o galo canta, as formas tortuosas se recolhem nos recantos das celas,
deslizarão como fantasmas. Marionetes conduzirão o hediondo mascarado e
cantarão para despertar o condenado. Enfim a sombra das barras se perfila sobre
o muro caiado; o silêncio reina; o hálito gelado da Morte enche a prisão. Não
há ofício nesse dia. Os detentos permanecem fechados até o meio-dia. Aí então,
os guardas com suas chaves abririam cada cela, os prisioneiros desceriam
pesadamente a escada de ferro. O passeio os faria notar a cal no sapato dos
guardas: o trabalho estava feito, a horrível tarefa cumprida. Na prisão de
Reading ficou o cadáver de um miserável devorado pela cal. Este túmulo de
infâmia não tem nome.
A perfeição da forma
do poema se junta às emoções sugeridas pela vida na prisão - o pavor, a
piedade, o desespero, a indignação – ali desenvolvidas com uma simplicidade
trágica.
Wilde,
condenado como o outro a morte do banimento, das profundezas de sua dor,
desejou ainda alguns passos, algumas doces palavras ainda. Os duplos se
encontram na memória do esteta. Dois condenados, o mesmo temor, a mesma
humilhação, a mesma escuridão - diferentes? Um dia se cruzam: “(...)não na
noite santa/ Mas foi no dia, que vergonha(...)” (WILDE, 2003,p.973); havia
morrido o companheiro e “(...)Um novo muro da prisão nos circundava/ A nós dois
míseros proscritos; O mundo nos havia repelido(...)” (WILDE, 2003,p.973); o
outro, porém, encontrara a paz da morte.
Ao prisioneiro da Balada “de vermelho o
homem que lê a Lei /Deu-lhe, de vida, três semanas,/ Só três semanas para lhe
curar/ A alma da luta de sua alma,/ E limpar de qualquer mancha de sangue/ A
mão que a faca segurava.” (WILDE, 2003,p.984). A Wilde foram dados cerca de três
anos e, num colóquio nomeado Reunião em
Paris, ciclicamente conclui: “Por
muito que nos esforcemos, nunca chegaremos a alcançar, por trás das
aparências das coisas, a sua realidade. E a razão terrível de tudo isto talvez
seja a seguinte: que não existe realidade alguma nas coisas, se são separadas
de sua aparência.” (WILDE, 2003,p.1453).Se assim não fosse,
como entender um condenado tão surpreendentemente feliz com seu destino,
contemplando “(...) com tão embevecido olhar, Aquela pequenina tenda azul/ Que
os presos chamam de firmamento...” (WILDE, 2003,p.969)(...)” “ E cada nuvem
errante, que arrastava/ No ar seus desmanchados velos. /As mãos não retorcia
como fazem /Aqueles néscios que pretendem,/ Na caverna do negro Desespero/ Erguer
a Esperança enganosa,/ O sol ficava a contemplar, apenas,/ Sorvendo a brisa da
manhã.” (WILDE, 2003,p.971). A tristeza da reclusão transforma-se na alegria do
fim.
Richard Aldington em The Portable Oscar Wilde cita as
seguintes palavras ditas por Wilde a André Gide acerca da leitura de livros na
prisão:
“I thought, at first, that what would please me most would
be Greek
literature, so I asked for Sophocles, but I could not get a
relish for it. Then I thought of the Fathers of the Church, but I found them
equally uninteresting. And suddenly I thought of Dante. Oh! Dante. I read Dante every day, in Italian, and all through, but
neither the Purgatorio nor the Paradiso seemed written for me. It was
his Inferno above all that I read;
how could I help liking it? Cannot you guess? Hell, we were in it – Hell, that
was prison.” .
Wilde foi libertado em maio de 1897 e
diria que se tivesse sido libertado um pouco antes teria deixado o lugar
sentindo por ele e seus funcionários um ódio amargo que teria envenenado sua
vida. Agora relembra as grandes bondades que quase todos tiveram por ele, no
último ano (o diretor havia sido trocado e fora permitido ao esteta a leitura
de jornais e uma alimentação mais diferenciada).
O prisioneiro C3.3
foi a máscara de ferro que mudou sua fisionomia, fez a cabeça tombar, mas
redobrou o amor à vida. Desse conflito chegou à harmonia da luz e da treva; ao
se colocar meditativamente acima das consideráveis conseqüências da dor, gerou
mais uma vez a obra de arte. Terminado o poema, Ross tentou que uma grande
editora aceitasse publicá-lo, mas só conseguiu com a livraria-alfarrabista
Smithers, especialista em livros de venda clandestina. Diz Wilde a Ross, em carta:
“(...)C’est une sortr de choca troce pour moi,
de constater qu’il
s’élève une telle
barrière entre moi et lê public. Il fault que j’examine à nouveau ma situation,
car je ne puis continuer à vivre ici sur lê pied actuel, bien que je sache que
changer as vie est une chose vaine :on tourne et tourne simplement dans le
cercle de sa propre personnalité.” .
Em 13 de fevereiro, é publicada a primeira edição
composta de 30 exemplares ao preço de um guinéu em papel Japão e de 800
exemplares sobre papel Holanda vendidos por meia-coroa.
Os 2000 exemplares da sétima edição
impressos em 23 de julho de 1899 trazem na capa sob o número C3.3 o nome de
Oscar Wilde entre parênteses. Em seguida, Leonard Smithers vai à falência. No
entanto, continua a imprimir, clandestinamente, edições da Balada – mesmo após
a morte de Wilde.
Em 1913, uma importante edição em língua francesa foi
precedida de um relato histórico acerca das circunstâncias que permearam a
composição e publicação do poema em língua francesa na Coleção Autores estrangeiros
de “Mercure de France”. O texto em inglês foi colocado ao lado da tradução no
volume à venda. A principal razão seria oferecer um número de páginas razoável
que justificasse o alto preço, o que preocupou Smithers, pela concorrência. A grande novidade foi ser ilustrada – o
artista deveria interpretar a expressão tragicamente simbólica do destino
humano, este canto de dor vindo das profundezas da pior miséria - e Gabriel
Daragnés foi o escolhido. Wilde havia conhecido as alegrias e o orgulho do
sucesso, o futuro lhe ofertara a miragem da celebridade, das honras e da glória,
mas chegou à imortalidade por uma estrada imprevista. Amante do desenho, Wilde
imaginara a composição, o formato, a encadernação e fazia disso um jogo no qual
os recursos de seu gosto delicado e de sua faustosa imaginação eram infinitos.
O esteta sabia que seu poema não era uma obra de circunstância, mas inspirado
por um suplício físico e moral de dois anos; por isso, estava destinado a
co-mover tantos quantos o lessem. Conta D-Dravray, o tradutor francês, da
relutância de Wilde em transpor o poema para esta língua. Ele sentia algum
embaraço para justificar sua recusa, tentando dissimular com um sorriso
contido, uma faísca no olhar; parecia não entender que D-Davray pensava numa
versão em prosa. Entendida a intenção, disse que o mérito do poema residia em
grande parte na sua forma e sem a música do verso não restaria nada. Começou
por desafiá-lo a traduzir com perfeição e esmero passagens de Keats, Racine,
Shakespeare, Coleridge, Shelley e William Morris, torturando a memória do tradutor. Continua D-Davray que Wilde
parecia escutá-lo com um ar ao mesmo tempo divertido e surpreso. O último
argumento para convencer Wilde foi fazê-lo observar que os próprios poetas ao
traduzirem poetas, haviam recorrido à prosa, por exemplo, Mallarmé com sua
versão do Corvo de Allan Poe.
Sentiram a necessidade de escapar aos entraves e às restrições da métrica. E
termina dizendo que o próprio Wilde teve a experiência, já que sua Salomé é um poema em prosa. Gargalhando,
o esteta se dá por vencido e ambos passam a trabalhar na primeira versão,
pronta em poucos dias, com cada palavra pensada, cada frase lida em voz alta,
relida, silabada, com todas as entonações possíveis. Os detalhes sobre a prisão
desconhecidos pelo tradutor eram explicados com toda boa vontade por Wilde, que
reconhecia o esforço de D-Davray, mas repetia que faltava a ele ter estado em
uma prisão, e inglesa! Até lá, não possuiria uma versão completa e a tradução
estaria imperfeita. E sobre isto, certo dia declara num tom solene estar tudo
resolvido para que D-Davray passasse uma temporada em uma cela na prisão de
Reading, por Wilde alugada. O tradutor estremece e diverte o esteta. A partir
da jocosa sugestão passa a se mostrar indulgente e bem-humorado. D-Davray
termina o relato desculpando-se por entrar em cena, mas a intenção foi evocar a
luminosa e inesquecível figura do poeta. É preciso ler, reler e descobrir novas
maneiras de admirar este raro exemplo de harmonia entre o artista e o poeta
. Com a Balada, deixa de ser o
Sirius – estrela mais brilhante do céu,
da constelação do Grande Cão – da comédia irônica, atitude ensaiada em De Profundis (ainda escrita no cárcere).
Acolhe a tragédia com mais veemência.
A Balada é fruto do martírio; visa a
eternidade. E verdadeiramente a atingiu.
domingo, 24 de junho de 2012
Dedicatória
(texto adaptado do publicado pela Revista Garrafa, da Faculdade de Letras da UFRJ)
Por Stella Maria Ferreira
As linhas escarlates e serpentinas que se seguem deslizam pelo papel
para destacar o traçado de palavras que comporta sinuosidades
desconcertantes de contraditória maestria. Este é, de fato, um elogio dirigido
ao leitor atento à música das letras, cujos passos rejeitem a monotonia; leitor
que se abandona “com toda essa alegria serena e segura que a gente goza
somente quando captou algo que os séculos não podem enfraquecer” (WILDE,
2003, p.1260); leitor para quem a vida real “é com frequência a que ele não
vive e podem ser tecidas belas poesias como se fossem ricos fios de
brilhantes sedas em múltiplos desenhos, em numerosos modelos,
maravilhosos e diferentes de todos.”(WILDE, 2003, p.1260); leitor que ama a
obra de arte pelo que ela é, fatalmente incompreensível.
Em 30 de novembro de 1900 o irlandês Oscar Wilde morreu. Nasce neste
instante o texto, alimentado por ininterruptos enigmas, que ansiava por colimar
mentes adormecidas. Texto inteiramente dedicado a este leitor que, de posse
do segredo do prazer duradouro, “abandonará sem pesar muitas coisas que
em outro tempo tinham sido preciosas para ele.” (WILDE, 2003, p.1261).A
admiração por esta escrita peregrina de Wilde – montra de ironia, perversão e
ternura – se revela na pura e inusitada consagração de um artista à Arte.
Na escolha das cores, na imobilidade das personagens, nos provocantes
epigramas, na crítica ferina, na tristeza contida, na incontestável alegria, o
amante do paradoxo aceitou da existência o lado luminoso sem renegar o
sombrio. A chave do labirinto saltou-lhe das mãos e a Arte, sua musa e guia,
concedeu-lhe uma eterna e impressionante capacidade de sonhar.
Desconsiderando tempo e espaço – numa repulsa às glórias da ação -
apostou no ócio como facilitador do exercício do pensamento que procura
trazer de volta à individualidade o seu lugar. A veemente temática do Belo,
no reconhecimento das instâncias cotidianas, libertaria a expressão.
Sob a máscara da excelência da produção ficava cada vez mais retida a
identidade criadora. A consciência, impossibilitada de fixar seu domínio, se
veria convidada ao repouso da incerteza. A leitura outra para este corpo
comunicaria o incognoscível.Concentrado em si mesmo, percebeu-se em luta
inevitável com o ‘mundo real’. A tranquilidade, porém, foi sua marca, já que
garantira a completitude de si ao decidir-se pela construção de um mundo
poético, multiforme, fruto da improvisação, com a superioridade absoluta do
inconsciente. Recorrendo à melodia interior, banhada de mistério, opera uma
transformação radical questionando toda solidez. O fixo deveria ser usurpado;
a solução residia na aparência. Lembra-nos Foucault que “o saber não é feito
para compreender; ele é feito para cortar”.
Aos olhos imaginativos de Wilde pululavam diversas máscaras que
objetivariam um encontro com os outros ‘eus’. Seus ‘eus’ e de tantos quantos
se arriscassem no mergulho. Ocultando o rosto por meio deste artifício,
poderiam ser reveladas facetas da personalidade. A superficialidade
promoveria profundas e marcantes mudanças de comportamento para aqueles
que se quisessem livres dos grilhões de uma vida óbvia. Para uma época de
‘certezas’, só a opção pelo obscuro, pelo disforme, levaria os sentidos ao
completo exercício. Visão, olfato, audição e tato, todos a serviço da Arte. E ela,
agradecida, possibilitaria que aromas fossem vistos, sons fossem tocados e
cores exalassem perfumes exóticos num louco e vertiginoso bailado.
Este discurso ‘alternativo’ tornaria a percepção mais extensa e intensa a
partir da exaltação do efêmero. Oscar Wilde re-traduziu-se e foi banido da vida
ordinária. Buscou na auto-superação a grandeza possível do humano e cada
porção de seu organismo formou o retrato de uma vida que se sabia desde
sempre artística. A rebeldia deste corpo marcado pela estranheza acompanhou
e executou o destino de cada personagem de sua vasta obra confirmando o
princípio de Beleza “pelo qual as sombras inconstantes de sua existência são
captadas no momento mais fugaz e fixadas perduravelmente.” (WILDE, 2003,
p.1261). A extraordinária simplicidade levaria olhos míopes à cegueira,
enquanto ele se dirigia a passos largos em direção ao Sol, tal qual o mitológico
Ícaro.
Ignorando o tempo da natureza, irrequieto, buscou vivenciar experiências
de séculos anteriores – exatamente como seu Dorian Gray define a ‘ação’ do
anti-herói Des Esseintes.Para tanto, olhou tudo e a ele se revelaram
diferentes mundos, os que podia ver e os que uma memória encantada
desnudava. Se aos olhos até então só era permitido ver o que estavam
treinados a ver, Wilde admitiu plena atuação das forças imaginativas. Os
espaços visitados perderam suas fronteiras geográficas para, unidos, formarem
o palco ideal para um super-artista, um artista de superação de limites. O efeito
hipnótico de sua escrita permite ao leitor caminhar por entre o luxo e o
escombro, o digno e o ignóbil, a evidência dos salões e o mistério da rua. Cada
pensamento expresso apresentava um capítulo sempre no tempo-presente. Da
glória dos teatros passando pela meia-noite do coração na Prisão de Reading
até o quase ostracismo dos últimos anos entendeu que precisava manter-se
atento para inventar-se constantemente – o que lhe permitiria estar no local
para onde queria transportar seu texto. Escalou o zênite de cada dia entre a
aurora e a noite numa escrita de mecanismos cujo propósito era o infinito.
Neste abandono às impressões, chegou ao amor absoluto pela arte, pois,
“quem não necessita da arte em tudo, dela não necessita para nada” (WILDE,
2003, p.1019), Daí ter contagiado – e ainda contagiar – inúmeros leitores em
todo o mundo. Ao longo dos anos, elegeu discípulos que, como ele, transitam
com a imaginação por lugares maravilhosos – reais, porque literários,
garantindo o eterno retorno deste corpo-viajante.
Oscar Wilde existe agora em uma inacreditável gama de imagens, traços,
pedaços de identificações desvelada a cada leitura; ele continua a convocar o
leitor para ser não o que os outros são, mas tudo o que pode ser. Esta foi a
dedicatória esculpida por indomável artista para o leitor no texto definitivo que
foi sua vida.
.
do Guardador de existências
Persuasão
Palavras, ideias
Delicadamente introduzidas
Discurso de jogo
Nos salões da Inglaterra vitoriana
Jane Austen dribla desencantos
Escrita límpida:
Desconcertante
Orgulhosa, sensível
Sem preconceito,
Racional.
Heroína que brilha
No baile da literatura
Desafiando
Conquistando.
Palavras, ideias
Delicadamente introduzidas
Discurso de jogo
Nos salões da Inglaterra vitoriana
Jane Austen dribla desencantos
Escrita límpida:
Desconcertante
Orgulhosa, sensível
Sem preconceito,
Racional.
Heroína que brilha
No baile da literatura
Desafiando
Conquistando.
Chá literário II- "O feijão e o sonho"
Fernando Pessoa em Ideias estéticas faz duas considerações a partir das quais examinaremos a figura de Campos Lara, protagonista de O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa. Diz o gênio português:"o maior poeta da época moderna será o que tiver mais capacidade de sonho" e ainda, "a libertação é uma elevação para dentro, como se crescêssemos em vez de nos alçarmos".
O feijão e o sonho, publicado em 1938, traz Campos Lara como arquétipo do homem das letras, do homem do perene exercício do pensamento - e, por isso, incompreendido pelo soutros, envolvidos nas preocupações diárias, em luta pela sobrevivência. Campos Lara não é homem de ação - ele pesquisa, pondera, cria analogias, descortina segredos da natureza e dribla a efetiva ação. Ele ascende interiormente, o que para os outros constitui escândalo. O jeito sonhador que encantou e conquistou Maria Rosa levou-a ao embaraço e à amargura. As correntes que prendem Campos Lara são as da música de seus versos - doces grilhões. À força do amor, é claro, o casal ultrapassa dificuldades e a harmonia se estabelece. No entanto, fica para o leitor a indagação do impacto da obra artística na vida. Cabe ao ser humano - obra de arte por excelência - encontrar o equilíbrio que faça com que, em meio às exigências da vida, ainda possa encontrar no deserto interior o lugar para o inesperado, o lugar do texto.
(Texto a partir de uma pergunta feita por Elisabeth Pinto)O
sexta-feira, 22 de junho de 2012
Food for thought V
Sobre Shakespeare, diz Fernando Pessoa em suas Ideias estéticas:
"Sua intuição, a maior que já houve, que via claro através de um pensamento e exprimia-o como se o próprio pensamento falasse, vivendo uma vida alheia até a seu sangue e sua carne e falando como o próprio homem jamais pôde ter feito; seu poder de observação, reunindo um todo num só aspecto de importância primacial; sua habilidade prática nascida de sua compreensão das coisas(...).".
Shakespeare tem sua genialidade redescoberta cada dia por milhares de leitores, ávidos.
"Sua intuição, a maior que já houve, que via claro através de um pensamento e exprimia-o como se o próprio pensamento falasse, vivendo uma vida alheia até a seu sangue e sua carne e falando como o próprio homem jamais pôde ter feito; seu poder de observação, reunindo um todo num só aspecto de importância primacial; sua habilidade prática nascida de sua compreensão das coisas(...).".
Shakespeare tem sua genialidade redescoberta cada dia por milhares de leitores, ávidos.
Oscar Wilde- por quê? (parte da introdução de minha tese)
PRIMEIRAS
PALAVRAS
Muito foi dito e
escrito sobre Oscar Wilde, e cada máscara coube-lhe com perfeição. Escolhemos, aqui, mascararmo-nos e adentrar em seu
labirinto – assumindo o risco de nos perdermos para sempre – a fim de
experimentar sua ousada escrita.
Nosso percurso não
segue uma lógica: é movimento inquietante que parece ora nos levar para frente
ora fazer-nos retroceder! No entanto, é só progressão e nunca fracasso ou
decepção. O alvo é o infinito – a que não se chega, porque se pudéssemos
fazê-lo, não mais o seria. Porém, não residiria aí a resposta para a
‘felicidade’? Não é o calor da busca que impulsiona e faz com que nos sintamos
tons de eternidade?! Buscar já não é uma forma de conhecer?
Começamos em
movimento espiral pelo centro por ele escolhido: a obra de arte a partir da
qual se viveria sob modelos supra-humanos. Por ela e nela nos moveremos daqui
por diante, como a Alice de Carroll: às vezes, temerosos, presos ao que
pensamos ser seguro, mas vertiginosamente do centro para a periferia e
vice-versa, sempre para cima. Sentimo-nos seus ‘novatos eleitos’, mas sabemos
que, para o sermos, de fato, precisamos poetizar-nos, deixando que o esteta nos
conduza. A condição, no primeiro momento, é deixarmo-nos ser, sorvendo suas
idéias com atenção, para além das cortinas tecidas pela razão. O esteta guia
nossos primeiros passos; depois parece abandonar-nos. Sua figura, central,
recua cada vez mais do possível lugar de uma revelação. Sabe que a chave que
desarma a aventura esboça outros enigmas e se diverte.
Adentramos, assim,
seu mundo, mas, sem sairmos de nós próprios, narrando, destarte, as aventuras
de nossas almas nos seios das obras. Afinal, acreditamos que para nos
conhecermos, precisamos renunciar ao que imaginamos de nossa individualidade.Seguimos
esse audacioso mestre da iluminação em silencioso andar pelo mutável.
Enamorado da
filosofia shopenhauriana, por volta do verão de 1876, em troca de idéias com a
mãe2 , acreditamos ter-se voltado para a alegria a Nietzsche,
rejeitando a auto-anulação da vontade e a mortificação dos sentidos passando
por entre lutas e paixões, aventuras e perigos. Se a vontade é fonte de todo
sofrimento, só por ela, compondo-se pela ruptura, exercitaria a liberdade
poética. Como diz Michel Foucault:
“Após
Zaratustra, o retorno da filosofia-teatro; não absolutamente reflexão sobre o teatro; não absolutamente
teatro prenhe de significações. Mas a filosofia tornada
cena, personagens, signos, repetição de
um acontecimento único e que jamais se
reproduz.”
À medida que nos embrenhamos
em suas paisagens, o esteta sorri-nos.
E, como aqui tudo é
possível, voamos para uma visão panorâmica e constatamos, sem surpresa, ser
tudo um grande livro - tema recorrente: a obra literária como ponto de
convergência de um labirinto. Seguimos no livro – como num jogo de liga-pontos
– em que a imagem de um rosto é traçada em cada capítulo, para logo adiante
desaparecer; cada página contendo elementos representativos de sua obra.
Escolhidos por nós? Não sabemos mais. Diverte-se o trocista. Desvendar seus
segredos, seus enigmas, classificá-lo seria uma segunda morte.
Este trabalho pode
definir e explicar as várias impressões recebidas da obra de arte, entretanto,
a escolha buscou ser a de coincidir com o que nela há de único e inexprimível.
A obra diz e esconde, faz-se e nunca está feita porque exige perspectivismo Oscar Wilde não se resumiu a sua obra e, sim,
resumiu-se nela. Apesar de parecer sempre ‘preencher’,‘ornamentar’ as narrativas
por inteiro, deixa espaços em branco à espera. Obra irreal como um tapete
persa; força de oralidade numa escrita que não se cristaliza porque se sabe
recebida de maneiras diversas. O interesse de Wilde estava em como seu público
poderia ser afetado e afetar as histórias – que poderiam, assim, ser recriadas
indefinidamente.
Projetando-se como mergulhador délio, em
luta contra a insaciabilidade, do prazer que durou os instantes de pouco mais
de quarenta anos, passou a experimentar a dor de uma vida inteira enquanto
esteve na prisão - “não há verdade comparável com a dor e há momentos em que
penso que a dor é a única verdade possível(...) da dor que surgiram os mundos e
sempre houve sofrimento ao nascer uma criança ou uma estrela(...)” (WILDE,
2003, p.1396). Entretanto, refuta a renúncia ao mundo; liberdade que viria de
outra constatação: “o amor, qualquer que seja sua categoria(...)” (WILDE,
2003, p.1397). “Compreendi que a única coisa que poderia fazer era aceitar Tudo. Desde então, por estranho que pareça, tenho sido
mais feliz(...)” (WILDE, 2003, p.1402).Percebeu que cada ato escolhido
de vida importava e que o não vivido permaneceria dentro dele, em seu
inconsciente por toda uma eternidade. Tornou-se um porque passou pelas cinzas; não sofreu pelo que não viveu. Esta
adesão à força da vida, ativa e não passiva, fortificou sua presença de homem
moderno e o fez crer que algo se introduziria em sua obra, “ (...)uma plena
memória verbal, cadências mais ricas, efeitos mais curiosos, uma ordem
arquitetônica mais simples ou, quando menos, certa qualidade estética. (WILDE, 2003, p.1413). É inegável o
impacto schopenhauriano e o surpreendente ultrapassamento. Destaca Joseph
Pearce em The Unmasking of Oscar Wilde que, em carta à mãe, Wilde sintetizara a
questão do pessimismo naquele filósofo, dizendo que ele acreditava que toda a
humanidade deveria se encaminhar para o mar e deixar o mundo; o problema era
que, invariavelmente, furtivos elementos se esconderiam, deixados para trás, e
povoariam o mundo novamente. Tem-se, então, uma clara oposição entre o trágico
como elemento fundador da existência humana e a seriedade da reflexão acerca
das dores da vida. Para ser o homem que buscou em tudo a superação – um
super-homem para um super-tempo -, colocou-se
ao lado de outras pessoas, conseguindo um vivenciamento de si como outro.
Esteticamente, na categoria de outro, alcança o esbanjamento interior, mas não
solitário, do corpo. Rejeita a resignação, pois se assim não fosse se negaria
como obra de arte.
Alegria, essa satisfação incoerente, força de superfície que
cresce do conhecimento do caráter trágico da vida e que, por isso, permite uma
profundidade outra; força que capacita para um saber alquímico.
O chão falseia, sentimo-nos invadidos
pelo simulacro, com o mundo desrealizado à nossa volta. O espaço sulcado exige
a conformidade do corpo – ora alargando-o, ora encolhendo-o. Pergunta-nos se
vacilamos. Não! Como estagnar ao sol se somos do tamanho do que vemos! 9
Participamos, agora,
da mesma viagem por ele empreendida, partilhando do fascínio que esta escrita
que se quis e se viu condensadora de sentimentos e atitudes suscitou, sem,
contudo, estabelecer níveis ou constituir valor. Sabemos não ser possível
fundir-nos a ele para não deixar escapar
o acontecimento que foi sua vida. Só queremos (como ele o quis)
parecer ser mais do que somos na realidade; não podemos ver nossa presença
genuína - efetivamente nunca acreditamos até o fim que somos apenas este aqui e
agora.Ele escolheu refletir seus
mestres.Com a vida reconstruída, neste mundo visível, teve rostos ímpares em
toda a sua plenitude. Criou um todo estético que permitiu ao contemplador uma
co-vivência.
Como leitores,
obedecemos, somos ensinados, provocados, irritados Lutamos com a
obra, contornando-a, somos vencidos pela letra que ordena. A palavra acorda
quando o livro é escolhido e atualiza-se, age, para de novo sumir. Se a letra
passa, nós, os leitores, ficamos, alterados por ela. Diz Elysio de Carvalho –
admirador de Wilde e um declarado ‘nietzschiano’ em Esplendor e decadência da sociedade brasileira:
“a vida tem de
fazer-se, como a composição de um poema
ou de um quadro, é arranjada por um
artista, como se faz uma
obra de arte(...)” .
Nossa tentação aqui
foi a de juntar às obras a nossa leitura no embalo da ilusão de um criador em segundo
grau.Aceitamos o convite feito no prefácio de O retrato de Dorian Gray e buscamos o
que há sob a superfície – conscientes do perigo de que a arte espelha a nós,
espectadores, e não à vida:a nós, múltiplos e mutáveis Esculpimos,
fixamos algumas perspectivas pelas obras que parecem mundos autônomos,
instintivamente procurando nelas nossos traços. Aprendemos, então, que na busca pelo
significado das obras, refletimos, na verdade, sobre o porquê da necessidade
desta busca. Encaramos o fato de que o percurso nos torna diferentes e não as
conclusões a que possamos chegar.
A obra artística de
Wilde nos escolheu para confundir nossas certezas, questionar nossos limites. A
impressão que isso nos causa? Seu efeito, seu prazer? Percebermos que, vivendo
na idéia de que não existimos em toda a nossa potencialidade, levamos a eterna
esperança na permanente possibilidade do milagre interior de um nascimento,
Como nos lembra
Foucault, para sonhar não é preciso fechar os olhos e sim, ler A
vida quando estamos despertos não dispõe das mesmas interpretações que se nos
apresentam na vida de sonho; é refreada, uma linguagem convencional, com juízos
morais,limites e a eleição do ‘essencial’. Essas avaliações, de fato, escondem
um desconhecido onde estranhos instintos esperam por serem saciados. Viver é
imaginar, disseram Wilde e Nietzsche em várias ocasiões. E o esteta nos
aconselha a deixar a língua falar e não tentar dominá-la.
Sonhamos, assim,
nosso sonho, em que as difusas formas, repetidamente, nutriram estas
páginas. Nada nos parece ser tão nós
mesmos.
mais Guardador
Aconchego-me no livro
Não a seu lado
Dentro dele
Temo, como Borges, que as letras se embaralhem à noite
Salvo-as da confusão, então.
São brincalhonas e prendem-se em meus dedos
Sacudo-as rapidamente de volta
Um aroma inebriante se destaca no instante
Suspense, o drama se instala
O final da história avança
Os passos dos meus olhos, sem descanso
Mas, se ofim chegar, o que fazer a seguir?
Aconchego-me na folha novamente
Pressa, para quê?
Releio as partes mais queridas
Volto ao suspense
Espero pelo inusitado
Um ardor queima-me os olhos
Agora, não há como parar
Resisto, sem êxito
Se a história acabar...
"Escreva você um novo capítulo"
Não sei se poderia
Discuto com a voz interior
"Louco!"
Sorrio
Volto à última página
Tremo,
Fim.
"Continue". O lápis à mão.
Pois bem,
Capítulo 2.
Não a seu lado
Dentro dele
Temo, como Borges, que as letras se embaralhem à noite
Salvo-as da confusão, então.
São brincalhonas e prendem-se em meus dedos
Sacudo-as rapidamente de volta
Um aroma inebriante se destaca no instante
Suspense, o drama se instala
O final da história avança
Os passos dos meus olhos, sem descanso
Mas, se ofim chegar, o que fazer a seguir?
Aconchego-me na folha novamente
Pressa, para quê?
Releio as partes mais queridas
Volto ao suspense
Espero pelo inusitado
Um ardor queima-me os olhos
Agora, não há como parar
Resisto, sem êxito
Se a história acabar...
"Escreva você um novo capítulo"
Não sei se poderia
Discuto com a voz interior
"Louco!"
Sorrio
Volto à última página
Tremo,
Fim.
"Continue". O lápis à mão.
Pois bem,
Capítulo 2.
Assinar:
Postagens (Atom)
Qual sua personagem favorita? II
O Rouxinol... O Rouxinol e a Rosa é um adorável conto infantil do querido Oscar Wilde. O pássaro tão cantado pelos poetas personifica um ve...
-
O silêncio celebrado no filme O artista , de Michel Hazanavicius, reaqueceu a lembrança de um ...
-
Guardamos memórias em fotos, cartas, objetos, mas, o tempo, este inexorável amigo, corrói, deteriora. As retinas, no entanto, vêm em socorro...
-
"O que ocorre, de fato, é que, quando me olho no espelho, em meus olhos olham olhos alheios; quando me olho no espelho não vejo o mundo...