segunda-feira, 1 de julho de 2013

Com a palavra, João Cabral de Melo Neto



                       "Quando um rio corta, corta-se de vez
                        o discurso-rio que ele fazia;
                        cortado, a água s quebra em pedaços.
                        em poços de água, em água paralítica.
                        Em situação de poço, a água equivale
                        a uma palavra em situação dicionária:
                        isolada, estanque no poço dela mesma,
                        e porque assim estanque, estancada;
                        e mais: porque assim estancada, muda,
                        porque cortou-se a sintaxe do rio,
                        o fio de água por que ele discorria.

                        O curso de um rio, seu discursório,
                        chega raramente a se reatar de vez;
                        um rio precisa de muito fio de água
                        para refazer o fio antigo que o fez.
                        Salvo a grandiloquência de uma cheia
                        lhe impondo interina outra linguagem,
                        um rio precisa de muita água em fios
                        para que todos os poços se enfrasem:
                        se reatando, de um para outro poço,
                        em frases curtas, então frase e frase,
                        até a sentença-rio do discurso único
                        em que se tem voz a seca ele combate."



O transbordamento do desejo pela palavra. Aquela palavra que dirá de mim e do outro. Aquele conjunto de frases que alumiará meu discurso. . João Cabral me encanta e instiga. Sequestro a palavra e acabo dela refém.

Um comentário:

  1. Sabe o que este poema de hoje a mim remeteu?
    A situação que estamos vivenciando a respeito das manifestações que estão ocorrendo nas principais capitais brasileiras.
    Rios sem discurso - uma filosofia poética.
    Lindo, lindo.

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