sábado, 30 de março de 2013

Manoel de Barros sopra para mim


  "Quem anda no trilho é trem de ferro, sou água que corre   entre pedras: liberdade caça jeito.". Manoel de Barros

                Esforço-me por estar na terceira margem. Esforço grande e compensador. Nela a
 arte sempre sorri.

Pessoa...para mim


    "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."  Fernando Pessoa

           Que possamos atravessar a cada dia as páginas já escritas e enxergar  os novos textos  que se insistem mesmo diante de nossa resistência.

CALEIDOSCÓPIO

                                    
                                     Multiplicador de imagens
                               Fascinante ao olhar infantil
                               Move-se a mão
                               Formas vêm e vão
                               Cores saltam,viçosas

                               Hoje, olhar adulto
                               Formas ainda vêm e vão
                               Cores ainda saltam
                               No movimento da mão
                               Virando a página
                               Encantador, esse texto
                               Multiplicador de imagens

Na noite

                                              Quando as vozes silenciam
                                              Quando os ruídos cessam
                                              As atividades mais árduas findam

                                              O dia cede lugar à noite
                                              E eu sou eu novamente
                                              Não preciso falar, responder ou indagar
                                              Sou só eu

                                              A respiração fica mais leve
                                              As ideias mais claras
                                              A inspiração chega de mansinho
                                              Para ficar
                                         

terça-feira, 26 de março de 2013

Meu amigo...Jorge Luis Borges

Poema de la Amistad
No puedo darte soluciones para todos los problemas de
la vida, ni tengo respuestas para tus dudas o temores,
pero puedo escucharte y compartirlo contigo.
No puedo cambiar tu pasado ni tu futuro.
Pero cuando me necesites estaré junto a ti.
No puedo evitar que tropieces.
Solamente puedo ofrecerte mi mano para que te sujetes
y no caigas.
Tus alegrías, tus triunfos y tus éxitos no son míos.
Pero disfruto sinceramente cuando te veo feliz.
No juzgo las decisiones que tomas en la vida.
Me limito a apoyarte, a estimularte y a ayudarte si me
lo pides.
No puedo trazarte limites dentro de los cuales debes
actuar, pero si te ofrezco el espacio necesario para
crecer.
No puedo evitar tus sufrimientos cuando alguna pena te
parta el corazón, pero puedo llorar contigo y recoger
los pedazos para armarlo de nuevo.
No puedo decirte quien eres ni quien deberías ser.
Solamente puedo quererte como eres y ser tu amigo.
En estos días oré por ti...
En estos días me puse a recordar a mis amistades mas
preciosas.
Soy una persona feliz: tengo mas amigos de lo que
imaginaba.
Eso es lo que ellos me dicen, me lo demuestran.
Es lo que siento por todos ellos.
Veo el brillo en sus ojos, la sonrisa espontánea y la
alegría que sienten al verme.
Y yo también siento paz y alegría cuando los veo y
cuando hablamos, sea en la alegría o sea en la
serenidad, en estos días pense en mis amigos y amigas,
entre ellos, apareciste tu.
No estabas arriba, ni abajo ni en medio.
No encabezabas ni concluías la lista.
No eras el numero uno ni el numero final.
Lo que se es que te destacabas por alguna cualidad que
transmitías y con la cual desde hace tiempo se
ennoblece mi vida.
Y tampoco tengo la pretensión de ser el primero, el
segundo o el tercero de tu lista.
Basta que me quieras como amigo.
Entonces entendí que realmente somos amigos.
Hice lo que todo amigo:
Oré... y le agradecí a Dios por ti.

Gracias por ser mi amigo.

sábado, 23 de março de 2013

O brilho da letra

                   Maurice Blanchot em A parte do fogo diz que "a poesia, pela ruptura que produz, pela tensão insustentável que cria, só pode desejar a ruína da linguagem, mas esta ruína é a única chance que ela tem de se realizar, de se tornar completa, às claras, sob os dois aspectos, sentido e forma, sem os quais é apenas longínquo esforço em direção a si mesma.".  Penso aqui no momento em que Jorge Luis Borges, cego, deixa os contos e ensaios voltando-se para a poesia. Momento de cisão. O fogo, ardente, da letra ganhará um brilho novo, interior, particular. O argentino abraça a poesia para reviver o bailado das palavras, insubmissas, agora também em sua mente.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Um instante e...Barthes

   
"A literatura não permite caminhar, mas permite respirar."
 Roland Barthes

         O texto é refúgio; descanso remanso.

Wilde...sempre

         "A única coisa que se possui é aquilo que cada qual leva consigo. Tudo quanto está fora de um homem não deveria ter importância nenhuma." - A alma do homem sob o socialismo


            Temos milhares de textos em nós. Alguns, ousamos escrever logo que acordamos e, por isso,o dia parece passar com impressionante rapidez. Outros, abafamos  e decidimo-nos por um dia ordinário. É então que sentimos cada minuto com peso alarmante.
           A vida pulsa em nós; o mundo se move à nossa velocidade interior e não o contrário. Acostumamo-nos a deixar que o exterior determine nossas atitudes. Mais uma vez, a literatura nos chama a atenção para o 'real'.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Pablo Neruda...para mim


   
Someday, somewhere - anywhere, unfailingly, you'll find yourself, and that, and only that, can be the happiest or bitterest hour of your life.
 
Pablo Neruda


O encontro comigo precisa ser sincero, aberto e constante. Assim, poderei ser para o outro, para o mundo.

Bailando com Van Gogh

Não tenho certeza de nada, mas a visão das estrelas me faz sonhar.
 
Vincent Van Gogh


              Danço com os olhos,com a mente, quando saboreio a leitura de cada uma das telas de Vincent. Sinto-me à vontade de chamá-lo pelo primeiro nome,pois considero-o um companheiro de jornada; um poeta das cores que trilha comigo este caminho de busca pelos matizes da vida.

domingo, 17 de março de 2013

Café com Paul Auster

"Escrever não é agradável. É um trabalho duro e sofre-se muito. Por momentos, sentimo-nos incapazes: a sensação de fracasso é enorme e isso significa que não há sentimento de satisfação ou de triunfo. Porém, o problema é pior se não escrever: sinto-me perdido. Se não escrever, sinto que a minha vida carece de sentido." Paul Auster


    Escrever para não se perder. Escrever para sobreviver.

A subida

Todo mundo quer viver em cima da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade está
na forma de subir a escarpada
.
Gabriel Garcia Marquez

O que importa é como engendramos a subida Se o passo deve ser lento e contínuo ou rápido, ansioso, juvenil. À luz dos ideais que nos movem, a cada trilha ultrapassada uma pequena vitória nos recebe. A vida é isto. Subida.
                            

quinta-feira, 14 de março de 2013

Ao poeta

             Tu, que sabes o que trago no peito, vive secreto em minha história - nas páginas dos livros,

na lâmpada acesa de madrugada, na noite fria de inverno, no dia de sol. Falas de mim como de íntimo

amigo e eu não sei quem és; nunca vi teu rosto: será sereno ou aflito, alegre ou melancólico.Quando

não estou de mal contigo (afinal, desvelas meus sonhos só para mim ou para todos?), gosto de

imaginar-te alto, sorridente, com aquele olhar receptivo. Hoje, dou-te parabéns sem querer saber

quem és. És parte de mim e isto basta.

Para o dia da Poesia

                                                      HORAS  MORTAS

                                                                                        Alberto de Oliveira


                                   Breve momento após comprido dia
                               De incômodos, de penas, de cansaço,
                               Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
                               Posso a time entregar, doce Poesia.

                               Desta janela aberta, à luz tardia
                               Do luar em cheio a clarear no espaço,
                               Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
                               Na transferência azul da noite fria.

                               Chegas. O ósculo teu me vivifica.
                               Mas é tão tarde! Rápido flutuas
                               Tornando logo à etérea imensidade;

                               E na mesa a que escrevo, apenas fica
                               Sobre o papel - rastro das asas tuas,
                               Um verso, um pensamento, uma saudade.

sábado, 2 de março de 2013

Flora Trístan e Oscar Wilde


   
FLORA TRISTÁN  E  OSCAR WILDE:
(texto apresentado no I Simpósio Internacional de Letras Neolatinas- 2005)


“Mas um mapa-múndi em que não figurasse a Utopia não valeria a pena de

ser olhado, pois nele faltaria o único

país em que a Humanidade desembarca diariamente. E

apenas nele, olhar para mais além e, divisando uma terra

mais bela, torna a virar proa para ela. O progresso não é

senão a realização das utopias.”

(A alma do homem sob o socialismo- p. 1177)


UMA INTRODUÇÃO

A História nos mostra homens e mulheres que, em épocas distintas, lutaram para fazer

diferença, diante de sistemas políticos e sociais, gerando uma considerável produção intelectual.

Havia um compromisso quase inato de reformas e batalhas contra injustiças e os artistas partiram

para a verbalização deste descontentamento, vestindo-o de uma eficiente função significativa e
 
dando-lhe consistência.

No início do século XIX, em todos os cantos do mundo emergia uma preocupação com a

instaurada negação do outro (em sua alteridade) e afirmação em sua diferença. Encontrava-se

instituída a presença fria, surda e invisível de um ser indefinido, pairava silencioso rumor de um

existir anônimo.

A necessidade de chegar a este outro encontrou ressonância na literatura. Na peregrinação,

buscaria-se ser com o outro e para o outro tendo a linguagem como o elemento de convergência. O

dogmatismo estabelecido nas sociedades refletia-se na língua que trazia em si reproduções

camufladas de um real que se desejava impor e o desejo desconhecido e estranho revelaria

indivíduos para quem “...a miséria e a pobreza têm tal força degradante e exercem efeito tão

paralisador...” (WILDE, 2003, p.1168) - re-direcionando as palavras. Na convivência com o

“diferente”, este peregrino se proporcionaria um olhar interior sobre o esquecimento e os silêncios

da História e desnudaria o que estivera guardado na memória de suas retinas. Ao gozo advindo da

caminhada somar-se-ía se a dor na alma pelos que não reconhecia que “...mesmo em um cárcere

pode um homem ser absolutamente livre. Sua alma pode ser livre e sua personalidade permanecer

em equilíbrio perfeito. Seu espírito pode sentir-se em paz consigo mesmo...” (WILDE, 2003,

p.1173 ).

Assim, Flora Tristán (1803-1844) e Oscar Wilde (1854-1900) aproximam-se num encontro

fictício fruto do desejo em ambos de ir ao encontro deste outro e misturando-se a ele, revelar e

assumir uma multiplicidade inerente ao ser humano.

Tristán, nascida em Paris, filha de um aristocrata peruano e de uma plebéia francesa, em sua

estada em Londres, traçou um circuito entre 1826 e 1839 com um olhar ético ( porque não dizer,

estético) do qual resultou Paseos en Londres (edição 1972). Espaço que seria amplamente revisitado

por Oscar Wilde. Do desenho de contornos labirínticos temos uma narrativa que parece

ser de uma só viagem, de sentido histórico, espalhando as marcas de uma época. Seu enfoque

pessoal relacionando narrador e protagonista dá um dinamismo especial e uma dimensão pública à

escrita – diário sem datas, cuja marcação é feita pelo lugar. Constitui um interessante diálogo com

o leitor que, vez ou outra, é por ela convocado como em “...quisiera poder darsela a mi lector, a fin

de que participara de la perplejidad que me produjo esta puerta.” (cap. IX- acerca das prisões

inglesas). Romântica, mas sem se deixar seduzir pelas decorações da cena inglesa, nega a versão

da vida oficial tão difundida entre os escritores da época. Sua condição de pária (pobre, ilegítima e

separada do marido) aproxima-a do esteta irlandês, perseguido e condenado – protagonista trágico

e vítima; agente num mundo que requeria duplicidade e disfarce para sobrevivência - para quem

“nenhum mal deveria sofrer o homem a não ser o que seus próprios atos causassem; deveria ser

impossível despojá-lo de qualquer coisa. A única coisa que se possui é aquilo que cada um leva

consigo. Tudo quanto está fora do homem não deveria ter importância nenhuma.” (WILDE, 2003,

p. 1170).

De alma inquieta, oferece em Paseos en Londres um relato da vida do povo pobre, das
 
lamentáveis condições de trabalho, da exploração social e da prostituição no primeiro estudo da

realidade européia feito por uma latino-americana.

Oscar Wilde, figura até hoje controvertida, irlandês, herdou da mãe (poetisa nacionalista)

uma inquietude que seria marca indelével de sua personalidade. Intencionalmente paradoxal,

buscou a desconstrução dos estereótipos ainda instaurados na sociedade inglesa mais de trinta

anos após a morte de Tristán. Dele diz André Gide: “...nem sempre se apercebem as pessoas de

quanta verdade, sabedoria e gravidade se ocultavam sob a máscara do trocista.” (WILDE, 2003, p.

33).

É constante em ambos um jogo entre ‘como se definem e como definem o outro’. Espíritos

sem cortinas, percebem que caminhando lado a lado com a máscara de uma cultura imposta estão

rostos que trazem uma nova exigência – o respeito. A abordagem, porém, é diferente. Ela,

testemunha, lança-se ao proibido optando pela denúncia aberta no relato de viagem, sem abrir mão

de um certo lirismo e de estupendas comparações que atraem ao tornarem uma viagem real,

literária. Ele, ator, escolhe uma escrita cujos significados viriam sob várias “camadas”. Sua

rebeldia caracterizou-se mais pela provocação de assumir outros papéis, ficcionalizando a a

própria vida. O ensaios, poemas e seu único romance encontram-se profundamente ligados às

questões sociais de seu tempo – pobreza e privilégio, feminismo e gênero - e foram tentativas de


espelhar a vida num estilo mascarado. Os dois, Tristán e Wilde, unem-se no amor à beleza: “mis

lectores que han tenido muchas ocasiones de notar la influencia que la belleza ejerce sobre

mi.” (cap. IX-p.94). Este olhar duplo da vida urbana inglesa é a aventura a que somos chamados a

partir de agora.

Adotando um percurso dedáleo – descontínuo, móvel -, característica wildiana,

provocaremos uma des-ordem na apresentação dos capítulos de Paseos en Londres, estabelecendo
 
leituras do esteta irlandês acerca dos temas em algumas de suas obras.
 

PRIMEIROS PASSOS

A presença nas ruas de Londres no século XIX foi considerada inquietante por

contemporâneos; a visão de milhares de pessoas deslocando-se para o desempenho do ato

cotidiano da vida incitou ao fascínio e ao terror. A identidade individual fora substituída pela

condição de habitantes de um aglomerado urbano. Permanecia-se incógnito, dissolvido nesse

movimento. Crescia um espanto e uma preocupação ante a pobreza que a multidão nas ruas

revelava. O hábito entorpecera os indivíduos, que evitavam examinar as próprias profundezas.

Prisioneiros da cotidiana mediocridade, sabotaram seus sonhos, jogando fora a essência da vida,

aposentando a existência. Diz Tristán: “El londinense, que regresa a su casa por la noche, agotado

por los viajes del día, no podrá estar alegre, ni espiritual, ni dispuesto a entregarse a los placeres

de la conversación, de la música o de la danza. Las facultades intelectuales, de las que estamos

dotados, desaparecen por las fatigas corporales llevadas al exceso, igualmente que la

sobrexcitación de esas facultades afecta debilitando las fuezas físicas...” (p.147). Ainda sobre a

época diz Wilde em O retrato de Dorian Gray (p.85): “...o século XIX caminha para a
 
bancarrota...” e mais adiante: “...é uma época ao mesmo tempo sórdida e sensual...” (WILDE,

2003, p.151).

De dia, na hora do trabalho, a cena urbana se via ocupada pela multidão de trabalhadores. A

atividade do olhar, decisiva para observar a vida cotidiana se tornava mais difícil ao cair da noite.

Então, a multidão se adensava e quanto mais numerosos os homens, mais profundas as sombras –

ninguém se desvendava para o outro e ninguém era para o outro inteiramente penetrável. O real

circundante se tornara cada vez mais perturbador, impedindo a construção de um equilíbrio de

paz. A cidade revelava um lado de ostentação e queria tornar ocultas as tristes conseqüências

dessas transformações. O discurso é essencialmente masculino, burguês. A grande inovação

deveria ser a da feminilidade da linguagem, um signo inverso.

A “cidade monstro” de que nos fala Tristán: “...produce la primera vez, um efecto

embriagador...empero, me apresuro en decirlo, esta fascinación se desvanece como uma visión

fantástica, como el sueno de la noche...del mundo ideal cae en todo lo que el egoísmo tiene de más

árido y la existencia de material.” (cap. I- p. 4).
 

A JORNADA
 

No capítulo I, a escritora latina marca três setores da capital inglesa: a cidade (centro antigo)

habitada pelos mercadores que, de tendas sombrias e úmidas, foram capazes de fazer certa fortuna;

o west end da aristocracia, do comércio elegante, da nobreza provinciana e dos dândis e, por fim,

o subúrbio dos trabalhadores, das prostitutas e daquela “turba de hombres sin destino que la falta

de trabajo y los vícios de toda clase conducen vagabundaje, o a quienes la miséria y la hambre

furzan a convertirse en mendigos, en asaltantes asesinos.” (cap. I- p.5). A opção é, portanto, a de

circular pela cena e pela obs-cena, pelos subterrâneos, encontrando o bálsamo no escondido.

Caminho escolhido também por Wilde, perfeitamente à vontade nos meios aristocráticos e no

espaço da rua, operando uma duplicidade de comportamento.

Os capítulos II e III de Paseos en Londres são temperados pelo ar sepulcral, frio e úmido da
 
descolorida Londres. O ‘spleen’ – uma certa irritabilidade – caracterizaria o inglês, alcoolizado

por essa natureza, respirando tristeza e melancolia. O tédio em seus olhos nos adverte que a vida

da alma está apagada e a atitude de seu corpo mostra que não está feliz nem tampouco está em


condições de aspirar pela felicidade. A escritora vê o londrino como pouco hospitaleiro,

professando o maior respeito pelas coisas estabelecidas. Não demonstra opinião ou gostos

próprios – adotam-nos de acordo com a maioria elegante. O olhar de Wilde, ferino, é expresso em

suas peças em meio a momentos supostamente inocentes, em conversas informais. No capítulo

XVII de O retrato de Dorian Gray conversam a Duquesa de Monmouth e Lorde Henry. Diz ela:
 

“- E que dizem de nós?

-Que Tartufo imigrou para a Inglaterra e aqui se estabeleceu...Nossos compatriotas...equilibram a

estupidez com a riqueza e o vício com a hipocrisia.”.


O relato objetivo de Tristán encontra ressonância na ironia ‘mascarada’ de Wilde.

Nos capítulos IV, X, XI E XII do relato de viagem, Tristán descobriu os finos véus da

presença estrangeira em Londres. O olhar estrangeiro sobre a vida do estrangeiro em solo inglês

foi também o que encontramos em Wilde que, como irlandês, aos 20 anos de idade vai para

Oxford e, mais tarde, instala-se em Londres.

Tristán apresenta trabalhadores de diferentes ofícios “gentes honestas que trabajan

laboriosamente para sostener a su família”; artistas contratados pelos teatros, professores, médicos

e diplomatas. Verifica, porém, uns tantos que, sem capital ou crédito para dedicarem-se ao

comércio – percebendo o gosto da aristocracia por títulos – para se introduzirem na sociedade

inglesa “se adornam rapidamente de los títulos de Baron, marqués, conde, duque, coronel,

general.” (cap.IV- p.5). Destaque para o capítulo XX em que visita Saint Gilles, refúgio dos

irlandeses - diz Tristán: “Más de doiscentos mil proletários irlandeses habitan diversas partes de la

metrópoli britânica...La miséria irlandesa está representada en médio de los mejores barrios de

Londres. Es alí que es preciso ir conocer, em todo su horror, la miséria que se produce en un país

rico y fértil, cuando es gobernado por la aristocracia y en provecho de la aristocracia...” (Cap. X,

p.125). A descrição traz as cores da dor e do abandono, transmitindo ao leitor o sentimento do não

lugar. Tem-se a imagem de indivíduos na integração mascarada do trabalho, mas condenados a

uma vida à margem.

Wilde viajou inúmeras vezes pelo desejo de ir aos extremos, fugir do corriqueiro. O olhar

transitivo da peregrinação o atraía. Daí, as viagens aos Estados Unidos terem sido consideradas

um dos marcos decisivos em sua vida.

Numa cena emblemática de Uma mulher sem importância (1893), o esteta, pela boca de uma
 
 
jovem norte-americana Ester Worsley desfere uma crítica áspera: “Vós, os ricos da Inglaterra, não

sabeis como estais vivendo... Fechais vossa sociedade ao que é nobre e bom. Vivendo desse modo,

por cima dos outros e à custa deles...Amais a beleza que podeis ver, tocar e manejar, a beleza que

podeis destruir e que destruís. Perdestes o segredo da vida...” (WILDE, 2003, p.677/678).

Os estilos de Tristán e Wilde revelam espíritos que refletem, que meditam. Depreende-se a

surpresa que alguns costumes causaram nos viajantes.

Passemos aos capítulos V, VI e VII de Paseos en Londres, onde afloram os políticos, as
 
câmaras do Parlamento e a vida do Proletariado. Tristán posiciona-se com muita clareza: “La

división del trabajo llevado a su más extremado limite, la mecánica reemplazando todos los

procedimientos de los oficios, la fuerza mottriz de más alto poder, que se encuentra siempre a

disposición del capitalista, son en el proceso de producción tres grandes revoluciones que seran

muy importantes en la organización política de los pueblos...”(cap.5- p.37). A escritora latina

lança-se à empreitada de visitar as Câmaras do Parlamento que proíbem mulheres em suas

sessões. O obstáculo, longe de inibi-la, incita sua curiosidade e o corpo subversivo vê como

alternativa mascarar-se de homem. Tanto na Câmara dos Comuns quanto na dos Lordes o disfarce

foi descoberto. Permanecem registradas, porém, suas impressões sobre o espaço limitado ao

masculino: “los honorables se extienden sobre los bancos como hombres fatigados y aburridos.

Muchos se acuestan exteramente y ‘duermen’. Aquella sociedad inglesa que se martiriza siempre

poe la estricta observación de las reglas de la etiqueta...muestran en la Cámara un desprecio

completo por todas las atenciones que los usos de la sociedad imponen...”(p.52)

O que notamos em Wilde é uma crítica ora feroz como em Vera e os niilistas: “...e se um
 

homem conhece a lei, não há nada ilegal que ele não possa fazer, quando quiser...” (WILDE,

2003, p. 456), ora irônica, própria do dândi: “Ninguém deveria pertencer a partido algum em

nada”, diz Lorde Illingworth em Uma mulher sem importância, “Não obstante, a Câmara dos
 

Comuns é realmente pouco prejudicial. Não podem os senhores melhorar as pessoas por meio de

uma lei, o que já é alguma coisa...”(WILDE, 2003, p. 665).

O capítulo VII de Paseos em Londres é dedicado a um detalhado relato do que o poder
 
econômico e sua aplicação são capazes, tornando o raciocínio e a reflexão inúteis. Em visita a uma

fábrica de gás, o olhar constata que o progresso exige um trabalho para além do que as forças

humanas podem resistir. O ar é viciado, a tristeza marca os rostos e os movimentos são lentos e

sincronizados. A individualidade é esmagada porque ameaça a tirania do hábito.

O capítulo VIII – dos mais extensos – é dedicado às ‘mulheres públicas’, que Tristán

considera ‘un mistério impenetrable’, um misto de beleza e loucura, pois sofrem “torturas físicas

incesantemente repetidas, muerte moral en todos los instantes.”. Excluídas do trabalho no campo,

quando não conseguem espaço nas fábricas são “empujadas a la prostituición por el hambre.”. O

olhar destaca que a virtude ou o vício supõe a liberdade de fazer o bem ou o mal. Qual pode ser a

moral de uma mulher que foi ‘preparada’ para não se pertencer, para não ter nada, para vender o

amor próprio?

Um grande número de prostitutas podia ser visto em Londres a qualquer hora do dia nas

ruas, palco de delícias e horrores. Os ‘interessados’ eram levados a casas destinadas ao ofício,

como nos Tristán. Wilde nos desvela uma delas em A casa da cortesã de 1885:
 

“...Lá dentro, acima, do rumor e do motim,

Ouvimos os músicos, altos, tocarem...

Como bonecos movidos a cordel,

Dos esqueletos a magra silhueta

Desliza ao som lento da quadrilha...

Às vezes boneca mecânica apertava

A seu peito um amado fantasmal,

Tentar cantar às vezes pareciam...”

(WILDE, 2003, p.943/944)

O capítulo IX traz a emoção extrema de uma testemunha ocular da dor de quem “...escucha

el ruído de la calle, puede ver por encima de la puerta pequenos destellos de sol relucir sobre la

plaza...”. E, caminhando lado a lado com ela, Wilde, que sobreviveu à dor de “...Sempre no

coração a meia noite

E na cela sempre crepúsculo...”. (p. 983).

O jogo com a memória alcança um destaque de excelência: os olhos dela no corpo dele.

Tristán visita três casas de detenção – Newgate, Gold-Bath-Fields e Penitentiary –, pois

“halla escuchado versiones contradictorias sobre las prisiones inglesas y el interes que me inspira

la cuestión social se hallaba aumentado por el deseo de esclarecer mis dudas...”(p.91).

Destacaremos a primeira – Newgate -, a de aspecto mais selvagem, como o imaginário conceberia

a prisão dos tempos bárbaros. A visão é nauseante. As futuras palavras de Wilde em A balada da
 
prisão de Reading de 1898 parecem ecoar no texto:


 
“...A seu lado dois guardas vigiavam

Para que a morte não se desse...

As mais vis ações como ervas daninhas

Florescem bem no ar da prisão;

Somente o que há de bom na alma do Homem

Ali se estraga ou emurchece...” (WILDE, 2003, p. 982)


ÚLTIMAS PALAVRAS

Escolhemos fazer uma pausa em nosso percurso onde os olhos dos dois artistas se

entrecruzam. Cada um a seu modo viu no outro seu próprio ser, mutilado, fragmentado. As dores

foram as mesmas; são as nossas também. Por isso, esta viagem não tem fim.

 

BIBLIOGRAFIA:

COUTINHO, L. Edmundo e CORRÊA, I. E. Jones (organizadores). O labirinto finissecular e as

idéias do esteta – ensaios críticos. RJ: 7Letras, 2004.

TRISTÁN, F. Paseos en Londres. Lima: Biblioteca do Peru, 1972.

WILDE, O. Obra Completa. RJ: Editora Nova Aguilar, 2003

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