sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Trans-formação

                         Há quem colecione selos, moedas ou objetos antigos...Eu coleciono histórias. Certo. Alguém poderia dizer: ora, qualquer colecionador coleciona histórias. As moedas, os relógios, os selos, as caixas remontam tempos felizes ou difíceis de uma família, uma cidade ou uma nação. Sim. No entanto, as histórias que coleciono vêm de um sorriso, um olhar, uma palavra. Olho pessoas durante o dia e basta um gesto para, em minha imaginação, eu tecer sua história de vida presente e futura. Assim, compus coletâneas em minha mente que, às vezes escorregam para o papel. Uma delas se formou numa manhã chuvosa, um daqueles dias convidativos de ócio.
                           A caminho do trabalho, dirijo sem a pressa habitual. Sinal fechado. Para atravessar, uma menina de seus 11 anos (não mais), mochila nas costas e uma camiseta com a impactante frase de Fernando Pessoa - Tenho em mim todos os sonhos do mundo. Sera que aquela garotinha teria ideia da intensidade daquelas palavras? Passando perto do meu carro, olhou-me e sorriu. Sorriso de luz. Continuou, sem voltar a cabeça para trás. Decerto ela sabia. Descobrira cedo o segredo que eu havia esquecido há anos.
                           Não pude seguir para o trabalho. Qual carreira ela seguiria? Seria médica...ou professora. Não...advogada. Ou diplomata. Viajaria o mundo; criaria campanhas por melhores condições de saneamento, educação, saúde. Começaria pelos países em maior necessidade. Ouviria pessoas que muitos esqueceram. Aquele brilho alcançaria vidas já sem esperança. Escolheria ter uma família numerosa? O brilho não seria menor, por certo. Seria amorosa conselheira e todos a ela acorreriam com suas alegrias ou tristezas.
                          Sua história seria de luta, de desafios... Uma certeza, porém, eu tive a partir a fantasia que criei em torno da camiseta e do sorriso. Ali na rua, aqueles segundos em que nossos olhares se cruzaram foram de eternidade e operaram uma mudança em mim. Mudança muito minha. Só minha. E ela nunca saberia.

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