I SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE LETRAS NEOLATINAS Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro Setembro/2005-10-03 Flora Tristán e Oscar Wilde – olhares peregrinos Stella Maria Ferreira ( Mestre em Semiologia – UFRJ / Doutoranda em Poética – UFRJ )
OLHARES PEREGRINOS
O fascinante desafio de mergulhar no século XIX de duas diferentes gerações, com o encontro imaginário de Flora Tristán e Oscar Wilde, mostrou “pelo buraco da fechadura da linguagem” (BOUÇAS, 2004, p.192) como a narrativa pode ser uma trilha perigosa convocada a ser voz. Nossa civilização ocidental pautada no olhar contou há dois séculos com exemplos de escritores que conseguiram misturar a este sentido odores e sons muito marcantes. Indivíduos para quem o tempo foi suspenso; foi o tempo de suas vidas, como diria Roland Barthes; olhares ‘estranhos’, estrangeiros, voltados para cidades que se consolidaram suntuosas no imaginário.
FLORA TRISTÁN E OSCAR WILDE:
“Mas um mapa-múndi em que não figurasse a Utopia não valeria a pena de ser olhado, pois nele faltaria o único país em que a Humanidade desembarca diariamente. E apenas nele, olhar para mais além e, divisando uma terra mais bela, torna a virar proa para ela. O progresso não é senão a realização das utopias.” (A alma do homem sob o socialismo- p. 1177) UMA INTRODUÇÃO A História nos mostra homens e mulheres que, em épocas distintas, lutaram para fazer diferença, diante de sistemas políticos e sociais, gerando uma considerável produção intelectual. Havia um compromisso quase inato de reformas e batalhas contra injustiças e os artistas partiram para a verbalização deste descontentamento, vestindo-o de uma eficiente função significativa e
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dando-lhe consistência. No início do século XIX, em todos os cantos do mundo emergia uma preocupação com a instaurada negação do outro (em sua alteridade) e afirmação em sua diferença. Encontrava-se instituída a presença fria, surda e invisível de um ser indefinido, pairava silencioso rumor de um existir anônimo. A necessidade de chegar a este outro encontrou ressonância na literatura. Na peregrinação, buscaria-se ser com o outro e para o outro tendo a linguagem como o elemento de convergência. O dogmatismo estabelecido nas sociedades refletia-se na língua que trazia em si reproduções camufladas de um real que se desejava impor e o desejo desconhecido e estranho revelaria indivíduos para quem “...a miséria e a pobreza têm tal força degradante e exercem efeito tão paralisador...” (WILDE, 2003, p.1168) - re-direcionando as palavras. Na convivência com o “diferente”, este peregrino se proporcionaria um olhar interior sobre o esquecimento e os silêncios da História e desnudaria o que estivera guardado na memória de suas retinas. Ao gozo advindo da caminhada somar-se-ía se a dor na alma pelos que não reconhecia que “...mesmo em um cárcere pode um homem ser absolutamente livre. Sua alma pode ser livre e sua personalidade permanecer em equilíbrio perfeito. Seu espírito pode sentir-se em paz consigo mesmo...” (WILDE, 2003, p.1173 ). Assim, Flora Tristán (1803-1844) e Oscar Wilde (1854-1900) aproximam-se num encontro fictício fruto do desejo em ambos de ir ao encontro deste outro e misturando-se a ele, revelar e assumir uma multiplicidade inerente ao ser humano. Tristán, nascida em Paris, filha de um aristocrata peruano e de uma plebéia francesa, em sua estada em Londres, traçou um circuito entre 1826 e 1839 com um olhar ético ( porque não dizer, estético) do qual resultou Paseos en Londres (edição 1972). Espaço que seria amplamente revisitado por Oscar Wilde. Do desenho de contornos labirínticos temos uma narrativa que parece ser de uma só viagem, de sentido histórico, espalhando as marcas de uma época. Seu enfoque pessoal relacionando narrador e protagonista dá um dinamismo especial e uma dimensão pública à escrita – diário sem datas, cuja marcação é feita pelo lugar. Constitui um interessante diálogo com o leitor que, vez ou outra, é por ela convocado como em “...quisiera poder darsela a mi lector, a fin de que participara de la perplejidad que me produjo esta puerta.” (cap. IX- acerca das prisões inglesas). Romântica, mas sem se deixar seduzir pelas decorações da cena inglesa, nega a versão da vida oficial tão difundida entre os escritores da época. Sua condição de pária (pobre, ilegítima e separada do marido) aproxima-a do esteta irlandês, perseguido e condenado – protagonista trágico e vítima; agente num mundo que requeria duplicidade e disfarce para sobrevivência - para quem “nenhum mal deveria sofrer o homem a não ser o que seus próprios atos causassem; deveria ser impossível despojá-lo de qualquer coisa. A única coisa que se possui é aquilo que cada um leva consigo. Tudo quanto está fora do homem não deveria ter importância nenhuma.” (WILDE, 2003, p. 1170). De alma inquieta, oferece em Paseos en Londres um relato da vida do povo pobre, das lamentáveis condições de trabalho, da exploração social e da prostituição no primeiro estudo da realidade européia feito por uma latino-americana. Oscar Wilde, figura até hoje controvertida, irlandês, herdou da mãe (poetisa nacionalista) uma inquietude que seria marca indelével de sua personalidade. Intencionalmente paradoxal, buscou a desconstrução dos estereótipos ainda instaurados na sociedade inglesa mais de trinta anos após a morte de Tristán. Dele diz André Gide: “...nem sempre se apercebem as pessoas de quanta verdade, sabedoria e gravidade se ocultavam sob a máscara do trocista.” (WILDE, 2003, p. 33). É constante em ambos um jogo entre ‘como se definem e como definem o outro’. Espíritos sem cortinas, percebem que caminhando lado a lado com a máscara de uma cultura imposta estão rostos que trazem uma nova exigência – o respeito. A abordagem, porém, é diferente. Ela, testemunha, lança-se ao proibido optando pela denúncia aberta no relato de viagem, sem abrir mão de um certo lirismo e de estupendas comparações que atraem ao tornarem uma viagem real, literária. Ele, ator, escolhe uma escrita cujos significados viriam sob várias “camadas”. Sua rebeldia caracterizou-se mais pela provocação de assumir outros papéis, ficcionalizando a a própria vida. O ensaios, poemas e seu único romance encontram-se profundamente ligados às questões sociais de seu tempo – pobreza e privilégio, feminismo e gênero - e foram tentativas de
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espelhar a vida num estilo mascarado. Os dois, Tristán e Wilde, unem-se no amor à beleza: “mis lectores que han tenido muchas ocasiones de notar la influencia que la belleza ejerce sobre mi.” (cap. IX-p.94). Este olhar duplo da vida urbana inglesa é a aventura a que somos chamados a partir de agora. Adotando um percurso dedáleo – descontínuo, móvel -, característica wildiana, provocaremos uma des-ordem na apresentação dos capítulos de Paseos en Londres, estabelecendo leituras do esteta irlandês acerca dos temas em algumas de suas obras.
PRIMEIROS PASSOS A presença nas ruas de Londres no século XIX foi considerada inquietante por contemporâneos; a visão de milhares de pessoas deslocando-se para o desempenho do ato cotidiano da vida incitou ao fascínio e ao terror. A identidade individual fora substituída pela condição de habitantes de um aglomerado urbano. Permanecia-se incógnito, dissolvido nesse movimento. Crescia um espanto e uma preocupação ante a pobreza que a multidão nas ruas revelava. O hábito entorpecera os indivíduos, que evitavam examinar as próprias profundezas. Prisioneiros da cotidiana mediocridade, sabotaram seus sonhos, jogando fora a essência da vida, aposentando a existência. Diz Tristán: “El londinense, que regresa a su casa por la noche, agotado por los viajes del día, no podrá estar alegre, ni espiritual, ni dispuesto a entregarse a los placeres de la conversación, de la música o de la danza. Las facultades intelectuales, de las que estamos dotados, desaparecen por las fatigas corporales llevadas al exceso, igualmente que la sobrexcitación de esas facultades afecta debilitando las fuezas físicas...” (p.147). Ainda sobre a época diz Wilde em O retrato de Dorian Gray (p.85): “...o século XIX caminha para a bancarrota...” e mais adiante: “...é uma época ao mesmo tempo sórdida e sensual...” (WILDE, 2003, p.151). De dia, na hora do trabalho, a cena urbana se via ocupada pela multidão de trabalhadores. A atividade do olhar, decisiva para observar a vida cotidiana se tornava mais difícil ao cair da noite. Então, a multidão se adensava e quanto mais numerosos os homens, mais profundas as sombras – ninguém se desvendava para o outro e ninguém era para o outro inteiramente penetrável. O real circundante se tornara cada vez mais perturbador, impedindo a construção de um equilíbrio de paz. A cidade revelava um lado de ostentação e queria tornar ocultas as tristes conseqüências dessas transformações. O discurso é essencialmente masculino, burguês. A grande inovação deveria ser a da feminilidade da linguagem, um signo inverso. A “cidade monstro” de que nos fala Tristán: “...produce la primera vez, um efecto embriagador...empero, me apresuro en decirlo, esta fascinación se desvanece como uma visión fantástica, como el sueno de la noche...del mundo ideal cae en todo lo que el egoísmo tiene de más árido y la existencia de material.” (cap. I- p. 4). A JORNADA No capítulo I, a escritora latina marca três setores da capital inglesa: a cidade (centro antigo) habitada pelos mercadores que, de tendas sombrias e úmidas, foram capazes de fazer certa fortuna; o west end da aristocracia, do comércio elegante, da nobreza provinciana e dos dândis e, por fim, o subúrbio dos trabalhadores, das prostitutas e daquela “turba de hombres sin destino que la falta de trabajo y los vícios de toda clase conducen vagabundaje, o a quienes la miséria y la hambre furzan a convertirse en mendigos, en asaltantes asesinos.” (cap. I- p.5). A opção é, portanto, a de circular pela cena e pela obs-cena, pelos subterrâneos, encontrando o bálsamo no escondido. Caminho escolhido também por Wilde, perfeitamente à vontade nos meios aristocráticos e no espaço da rua, operando uma duplicidade de comportamento. Os capítulos II e III de Paseos en Londres são temperados pelo ar sepulcral, frio e úmido da descolorida Londres. O ‘spleen’ – uma certa irritabilidade – caracterizaria o inglês, alcoolizado por essa natureza, respirando tristeza e melancolia. O tédio em seus olhos nos adverte que a vida da alma está apagada e a atitude de seu corpo mostra que não está feliz nem tampouco está em
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condições de aspirar pela felicidade. A escritora vê o londrino como pouco hospitaleiro, professando o maior respeito pelas coisas estabelecidas. Não demonstra opinião ou gostos próprios – adotam-nos de acordo com a maioria elegante. O olhar de Wilde, ferino, é expresso em suas peças em meio a momentos supostamente inocentes, em conversas informais. No capítulo XVII de O retrato de Dorian Gray conversam a Duquesa de Monmouth e Lorde Henry. Diz ela: “- E que dizem de nós? -Que Tartufo imigrou para a Inglaterra e aqui se estabeleceu...Nossos compatriotas...equilibram a estupidez com a riqueza e o vício com a hipocrisia.”.
O relato objetivo de Tristán encontra ressonância na ironia ‘mascarada’ de Wilde. Nos capítulos IV, X, XI E XII do relato de viagem, Tristán descobriu os finos véus da presença estrangeira em Londres. O olhar estrangeiro sobre a vida do estrangeiro em solo inglês foi também o que encontramos em Wilde que, como irlandês, aos 20 anos de idade vai para Oxford e, mais tarde, instala-se em Londres. Tristán apresenta trabalhadores de diferentes ofícios “gentes honestas que trabajan laboriosamente para sostener a su família”; artistas contratados pelos teatros, professores, médicos e diplomatas. Verifica, porém, uns tantos que, sem capital ou crédito para dedicarem-se ao comércio – percebendo o gosto da aristocracia por títulos – para se introduzirem na sociedade inglesa “se adornam rapidamente de los títulos de Baron, marqués, conde, duque, coronel, general.” (cap.IV- p.5). Destaque para o capítulo XX em que visita Saint Gilles, refúgio dos irlandeses - diz Tristán: “Más de doiscentos mil proletários irlandeses habitan diversas partes de la metrópoli britânica...La miséria irlandesa está representada en médio de los mejores barrios de Londres. Es alí que es preciso ir conocer, em todo su horror, la miséria que se produce en un país rico y fértil, cuando es gobernado por la aristocracia y en provecho de la aristocracia...” (Cap. X, p.125). A descrição traz as cores da dor e do abandono, transmitindo ao leitor o sentimento do não lugar. Tem-se a imagem de indivíduos na integração mascarada do trabalho, mas condenados a uma vida à margem. Wilde viajou inúmeras vezes pelo desejo de ir aos extremos, fugir do corriqueiro. O olhar transitivo da peregrinação o atraía. Daí, as viagens aos Estados Unidos terem sido consideradas um dos marcos decisivos em sua vida. Numa cena emblemática de Uma mulher sem importância (1893), o esteta, pela boca de uma jovem norte-americana Ester Worsley desfere uma crítica áspera: “Vós, os ricos da Inglaterra, não sabeis como estais vivendo... Fechais vossa sociedade ao que é nobre e bom. Vivendo desse modo, por cima dos outros e à custa deles...Amais a beleza que podeis ver, tocar e manejar, a beleza que podeis destruir e que destruís. Perdestes o segredo da vida...” (WILDE, 2003, p.677/678). Os estilos de Tristán e Wilde revelam espíritos que refletem, que meditam. Depreende-se a surpresa que alguns costumes causaram nos viajantes. Passemos aos capítulos V, VI e VII de Paseos en Londres, onde afloram os políticos, as câmaras do Parlamento e a vida do Proletariado. Tristán posiciona-se com muita clareza: “La división del trabajo llevado a su más extremado limite, la mecánica reemplazando todos los procedimientos de los oficios, la fuerza mottriz de más alto poder, que se encuentra siempre a disposición del capitalista, son en el proceso de producción tres grandes revoluciones que seran muy importantes en la organización política de los pueblos...”(cap.5- p.37). A escritora latina lança-se à empreitada de visitar as Câmaras do Parlamento que proíbem mulheres em suas sessões. O obstáculo, longe de inibi-la, incita sua curiosidade e o corpo subversivo vê como alternativa mascarar-se de homem. Tanto na Câmara dos Comuns quanto na dos Lordes o disfarce foi descoberto. Permanecem registradas, porém, suas impressões sobre o espaço limitado ao masculino: “los honorables se extienden sobre los bancos como hombres fatigados y aburridos. Muchos se acuestan exteramente y ‘duermen’. Aquella sociedad inglesa que se martiriza siempre poe la estricta observación de las reglas de la etiqueta...muestran en la Cámara un desprecio completo por todas las atenciones que los usos de la sociedad imponen...”(p.52) O que notamos em Wilde é uma crítica ora feroz como em Vera e os niilistas: “...e se um homem conhece a lei, não há nada ilegal que ele não possa fazer, quando quiser...” (WILDE, 2003, p. 456), ora irônica, própria do dândi: “Ninguém deveria pertencer a partido algum em nada”, diz Lorde Illingworth em Uma mulher sem importância, “Não obstante, a Câmara dos
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Comuns é realmente pouco prejudicial. Não podem os senhores melhorar as pessoas por meio de uma lei, o que já é alguma coisa...”(WILDE, 2003, p. 665). O capítulo VII de Paseos em Londres é dedicado a um detalhado relato do que o poder econômico e sua aplicação são capazes, tornando o raciocínio e a reflexão inúteis. Em visita a uma fábrica de gás, o olhar constata que o progresso exige um trabalho para além do que as forças humanas podem resistir. O ar é viciado, a tristeza marca os rostos e os movimentos são lentos e sincronizados. A individualidade é esmagada porque ameaça a tirania do hábito. O capítulo VIII – dos mais extensos – é dedicado às ‘mulheres públicas’, que Tristán considera ‘un mistério impenetrable’, um misto de beleza e loucura, pois sofrem “torturas físicas incesantemente repetidas, muerte moral en todos los instantes.”. Excluídas do trabalho no campo, quando não conseguem espaço nas fábricas são “empujadas a la prostituición por el hambre.”. O olhar destaca que a virtude ou o vício supõe a liberdade de fazer o bem ou o mal. Qual pode ser a moral de uma mulher que foi ‘preparada’ para não se pertencer, para não ter nada, para vender o amor próprio? Um grande número de prostitutas podia ser visto em Londres a qualquer hora do dia nas ruas, palco de delícias e horrores. Os ‘interessados’ eram levados a casas destinadas ao ofício, como nos Tristán. Wilde nos desvela uma delas em A casa da cortesã de 1885: “...Lá dentro, acima, do rumor e do motim, Ouvimos os músicos, altos, tocarem... Como bonecos movidos a cordel, Dos esqueletos a magra silhueta Desliza ao som lento da quadrilha... Às vezes boneca mecânica apertava A seu peito um amado fantasmal, Tentar cantar às vezes pareciam...” (WILDE, 2003, p.943/944) O capítulo IX traz a emoção extrema de uma testemunha ocular da dor de quem “...escucha el ruído de la calle, puede ver por encima de la puerta pequenos destellos de sol relucir sobre la plaza...”. E, caminhando lado a lado com ela, Wilde, que sobreviveu à dor de “...Sempre no coração a meia noite E na cela sempre crepúsculo...”. (p. 983). O jogo com a memória alcança um destaque de excelência: os olhos dela no corpo dele. Tristán visita três casas de detenção – Newgate, Gold-Bath-Fields e Penitentiary –, pois “halla escuchado versiones contradictorias sobre las prisiones inglesas y el interes que me inspira la cuestión social se hallaba aumentado por el deseo de esclarecer mis dudas...”(p.91). Destacaremos a primeira – Newgate -, a de aspecto mais selvagem, como o imaginário conceberia a prisão dos tempos bárbaros. A visão é nauseante. As futuras palavras de Wilde em A balada da prisão de Reading de 1898 parecem ecoar no texto: “...A seu lado dois guardas vigiavam Para que a morte não se desse... As mais vis ações como ervas daninhas Florescem bem no ar da prisão; Somente o que há de bom na alma do Homem Ali se estraga ou emurchece...” (WILDE, 2003, p. 982)
ÚLTIMAS PALAVRAS Escolhemos fazer uma pausa em nosso percurso onde os olhos dos dois artistas se entrecruzam. Cada um a seu modo viu no outro seu próprio ser, mutilado, fragmentado. As dores foram as mesmas; são as nossas também. Por isso, esta viagem não tem fim.
BIBLIOGRAFIA: COUTINHO, L. Edmundo e CORRÊA, I. E. Jones (organizadores). O labirinto finissecular e as idéias do esteta – ensaios críticos. RJ: 7Letras, 2004. TRISTÁN, F. Paseos en Londres. Lima: Biblioteca do Peru, 1972. WILDE, O. Obra Completa. RJ: Editora Nova Aguilar, 2003
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quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
Allegro
ALLEGRO publicado na Revista Garrafa- Faculdade de Letras - UFRJ
(um olhar sobre Sinfonia em amarelo de Oscar Wilde)
Stella Maria Ferreira (Doutoranda em Poética)
“ ‘Estou sedento por encontrar um mestre na arte dos sons’, dizia um inovador ao seu discípulo, ‘um mestre que pudesse apreender os meus pensamentos e em seguida os traduzisse na sua linguagem: desta forma eu atingiria melhor os ouvidos e os corações dos homens...” 1.
A arte alicia a vida e o convite chega precedido de uma música encantatória que, continuamente, remete ao mistério para manter o intangível e o inesgotável murmúrio das forças imaginativas. O indivíduo que se puser à escuta, que se descola de uma existência marcada pela obviedade, disponibiliza-se a um jogo estético que destacará sua personalidade singular. Ao que, ao contrário, não se deixa enlevar, só resta a pura reprodução de modelos “fora de qualquer magia, de qualquer entusiasmo, como se fosse natural, como se essa palavra que retorna fosse sempre rigorosamente adequada...” (BARTHES, 2001, p.85). A obra artística, com a provocação da dança dos sentidos, traz um colorido prazeroso em cada matiz rejeitando a repetição fossilizada. Oscar Wilde, figurino sem par cuja corporeidade transbordava imagens de uma vida dedicada exclusivamente à beleza, louva a ‘ação’ de certas cores como gestação para este novo olhar, este compromisso com novas perspectivas. Para a névoa oriunda de um mundo mergulhado na monotonia, o artista propõe frases curtas e densas que se aplicam à epifania da embriaguez como caminho para uma existência em plenitude. A proposital escolha do amarelo transgressor e do verde caótico a procura de uma nova ordem fixam a embrionária opção wildiana pela renovação do conceito de inexorabilidade do corpo. O ‘tempo’ insatisfatório é atravessado por rasgos de eternidade. O aparente desequilíbrio, produto do devir, assegura, paradoxalmente, um renovado equilíbrio que não se esgotaria diante de pré-concepções e cristalizações. A
1 NIETZSCHE, 2004, p.102.
conseqüência é uma estranha alegria que emana do sopro repetido destas cores. Alegria que enlaça o leitor para que a vida individual seja ultrapassada a cada momento. Na insistente repetição do amarelo e do verde, Wilde convida ao som dos movimentos da sinfonia que formam, de fato, o circuito de instantes, de ‘agoras’ que é a vida. Esta multiplicidade dos possíveis aproximaria o corpo percebido do corpo sonhado. O artista, desejoso de evitar a perplexidade diante do não vivido, instaura a graça do espanto. O irlandês acreditava ser dever de cada um dar uma forma –ainda que não a concebida de maneira ortodoxa – ao caos. Diz ele, em carta de 1897 ao amigo Robert Ross:
“Do outro lado do muro da prisão há...árvores...que estão agora cobrindo-se de brotos de um verde quase gritante. Sei perfeitamente o que lhes sucede: encontram sua expressão...” 2.
Escrito em 1889, o poema Sinfonia em amarelo reluz pela simplicidade. Em cenas cotidianas, Wilde insere elementos com a cor da revolta, do anseio por mudanças. Em versos serpentinos, o poema é concebido para, da tragicidade que emana da monotonia, chegar à alegria das oportunidades de escolha. Visitemos, enfim, o texto:
Um ônibus atravessa a ponte, Borboleta amarela a deslizar, E aqui e ali, algum passante Parece um mosquito inquieto
Grandes barcaças cheias de amarelo feno São impelidas para os cais sombrios, E como um amarelo cachecol de seda Pende ao longo do molhe de espessa névoa
Começam a secar as folhas amarelas E dos olmos do Templo caem, girando, E aos meus pés o Tâmisa verde-pálido Jaz como uma barra de enrugado jade.
2 WILDE, 2003, p.1240.
O estilo impressionista é predominante. A transgressão imposta pelo amarelo mostra o desejo do artista de sentir seu hálito contaminando todo o lugar ‘exigindo’ um posicionamento acerca da ordem estabelecida. Dos três movimentos que uma sinfonia tem, Wilde enfatiza na hora silenciosa o andante, obscuro, trágico, melancólico. Cada indivíduo experimenta a dor e o que determinará uma vida de ‘tranqüilidade’ é como passará deste para o próximo movimento. Allegro neste poema está ainda implícito nas palavras, é a esperança nutrida pelo poeta; allegro está dentro dele. A força do desejo, no entanto, explode para os ‘eleitos’ – aqueles que se mantêm abertos, à deriva, à espera. O poeta vislumbra a beleza dentro do disforme. Foi capaz de, sem cavar, perceber intensa luz e enigmático ar. A procura, no entanto, ainda é do outro; a ele cabe o exemplo de quem re-emergiu, para tornar-se novo. Diz Wilde mais tarde em O crítico como artista (1891):
“(ao poeta)...pertence a vida em sua absoluta e plena totalidade; não somente a beleza que os homens vêem, mas a que ouvem; não só a graça momentânea de forma ou a fugaz alegria da cor, mas toda a esfera da sensação, o ciclo completo do pensamento...”3.
Para tanto, Wilde elenca ícones de recriação: a borboleta, as flores amarelas da estação e o rio para produzir o ritmo do poema. A borboleta a deslizar lembra o leitor do esforço interior pelo qual se deve passar para que a beleza desabroche. De lagarta com cor turva à dama de vestimenta colorida e leve, assim é o processo de desdobramento do eu; camada após camada deixando que o fluido da vida nutra os membros de forma a garantir perene liberdade. Logo de início, o ônibus que atravessa a ponte anima o poeta, toma um impulso na corrente de sentimentos, mesmo em meio às perdas – afinal, este sofrimento já levara o poeta à sublime abstenção de qualquer queixa. Ele espera pelas estações e deposita neste momento crédito especial ao outono – tempo de recolhimento, para que nova vida possa brotar. Após a queda das folhas, a visão se tornará mais límpida, menos 3 WILDE, 2003, p.1134.
obscurecida pelos estereótipos. A alusão a esta estação satisfatória, já que de mudança, faz-nos indagar do tempo musical em consonância ou dissonância com o tempo cronológico. O tempo em Wilde é predominantemente interior, regido pela imaginação. Esta pode e deve superar todo e qualquer empecilho, permitindo um constante deslocamento, um exercício para o corpo insubmisso. Nesta desmesura, aposta na fronteira para garantir o estado de exceção da arte. Daí, ser imprescindível a escolha pela simultaneidade que, aflorando no tempo e no espaço, permite matizes de sons até então impensados. A repetição do amarelo e do verde não nasce do tempo, ela é o tempo4. As insistentes cores se aninham nos corações e esperam que, pelo ‘desconforto’, possam atingir resultados. A resistência do ‘passante’, ‘inquieto mosquito’, contrasta com a ‘borboleta amarela’, já transfigurada, plena da força da vida que espera e vence. O rio, acostumado ao movimento contínuo das águas, que mudava sua constituição diariamente, observa com curiosidade a névoa encantada. Enquanto isso, deseja também ser observado e que o verde de suas águas seduza outros passantes. Ele leva as barcaças para os sombrios cais e se deslumbra, com certeza, diante do contraste com a luz dos feixes de feno, que quer envolver e aquecer os corações frios e sem destino. O Tâmisa, verde, é então, testemunha e junto ao poeta aguarda o momento de revelação. O rio, em seu fluxo constante, observa a ambiência caótica e este sentimento é abrilhantado pela cor. É o mesmo do ensino de Heráclito, o sempre novo, o perseverante, posse que não se reduz com o uso. É preciso olhá-lo e rir, descobrindo em si um herói e um insano, bailar em suas águas como trocista, sem vergonha de experimentar a leveza que a vida social negara. As folhas que caem desenham também uma trilha a ser seguida pelos que se dispuserem à aventura e jazem na rua – lugar de alma encantadora. Estas mesmas folhas, como não imaginar, já transformadas em sua textura e sua cor pela estação, aos pés do amado e precioso rio, tal qual narcisos, invejariam os homens capazes do mergulho que resultaria em transmutação. A coragem de banhar-se no verde caótico e recriar-se rumo a uma ordem – fato que se repetiria , pois “a criação tende a repetir-se” (WILDE, 2003,p.1123) – está nos versos finais:
4 FINK, 1983, p.106(ver)
... “E aos meus pés o Tâmisa verde-pálido Jaz como uma barra de jade.” Wilde sabia que enquanto os indivíduos não expressassem seu verdadeiro ‘eu’ selariam um destino infiel ao elevado potencial a respeito da vida. Mantém, porém, um espírito vago, um tom de indeterminação no texto para forçar seu leitor a entender a mensagem de que a “virtude e a maldade são simplesmente para ele (artista) o que são para o pintor as cores em sua palheta...Vê que por meio delas pode produzir-se certo efeito artístico e produz...” 5. O amarelo procura envolver e seduzir semelhantes. O trabalho é árduo, avança lentamente, o sofrimento é voluntário e, por isso, compensador. Ele sabe que não é fácil ultrapassar a fronteira da consciência, mas se o ônibus atravessa uma ponte diariamente haverá um instante em que a inconsciência chamará os indivíduos a entregarem-se à embriaguez favorável a obstrução de todo e qualquer preconceito. A resposta está no acolhimento estético de todas as coisas: “discernir a beleza de uma coisa é o mais alto ponto a que podemos alcançar. Até mesmo um senso de cor é mais importante no desenvolvimento do indivíduo do que um senso de bem e de mal...” (o crítico-p.1163). A sociedade, dizia ele, primava pela emoção que levasse à ação e a arte queria a emoção pela emoção. A sociedade existia simplesmente para concentrar energia humana suficiente para assegurar a perpetuação de todas as coisas a partir de uma sadia estabilidade. “As belas emoções estéreis que a arte desperta em nós são odiosas a seus olhos e esse horrível ideal social domina com sua tirania tão por completo as pessoas...” ( WILDE, 2003, p.1143). A visão desta cena captada por Wilde devia levar ao descanso daquele que escolhe o sonho; daquele para quem deseja que nenhuma forma de pensamento seja estranha, nenhuma emoção, obscura. Simpatizar com o pensamento: eis o segredo, pois, “a arte é uma paixão e em matéria de arte o Pensamento está inevitavelmente colorido pela emoção...” (WILDE, 2003,p.1152). A entrega ao poema é essencial e o que se espera é que nada além dele povoe a mente; nada de preconceitos, preferências. Assim, a cor do texto se mostrará, seu prodígio criará, enfim, um mundo mais real do que a própria
5 WILDE,2003, p.1327.
realidade, um sentimento sem limites se ‘imporá’. E este é o momento oportuno para o ‘grande salto’ em direção ao labirinto, que recusa a obviedade da linha reta. A Sinfonia continua a ecoar aos ouvidos, “seus pastéis são fascinantes como paradoxo...se não abriram os olhos aos cegos, deram, ao menos, grandes alentos aos míopes...” (WILDE, 2003, p.1156). Para um artista como Wilde, o som da liberdade de expressão só poderia vir por esta cor de energia, de uma luz inebriante, ao mesmo tempo de Apolo e de Dionísio; cor de duas ‘faces’ que, no jogo estético, garante o allegro, seqüência sonora que desvela para cada indivíduo o que jaz em seu interior: esta vontade de completitude, de experimentação das várias existências dentro de uma mesma. A cor assegura a força da mascarada e, na fortaleza que emana da música que só a ouvidos atentos se permite ‘descobrir’, Oscar Wilde ativa o mecanismo de um texto que se quer diferença. Aí, neste instante, a Arte vence.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BARTHES, R. O prazer do texto. Lisboa: Edições70, 2001. FINK, E. A filosofia de Nietzsche. Lisboa: Editorial Presença, 1983. WILDE, O . Obra Completa. Rio de Janeiro; Nova Aguilar, 2003.
(um olhar sobre Sinfonia em amarelo de Oscar Wilde)
Stella Maria Ferreira (Doutoranda em Poética)
“ ‘Estou sedento por encontrar um mestre na arte dos sons’, dizia um inovador ao seu discípulo, ‘um mestre que pudesse apreender os meus pensamentos e em seguida os traduzisse na sua linguagem: desta forma eu atingiria melhor os ouvidos e os corações dos homens...” 1.
A arte alicia a vida e o convite chega precedido de uma música encantatória que, continuamente, remete ao mistério para manter o intangível e o inesgotável murmúrio das forças imaginativas. O indivíduo que se puser à escuta, que se descola de uma existência marcada pela obviedade, disponibiliza-se a um jogo estético que destacará sua personalidade singular. Ao que, ao contrário, não se deixa enlevar, só resta a pura reprodução de modelos “fora de qualquer magia, de qualquer entusiasmo, como se fosse natural, como se essa palavra que retorna fosse sempre rigorosamente adequada...” (BARTHES, 2001, p.85). A obra artística, com a provocação da dança dos sentidos, traz um colorido prazeroso em cada matiz rejeitando a repetição fossilizada. Oscar Wilde, figurino sem par cuja corporeidade transbordava imagens de uma vida dedicada exclusivamente à beleza, louva a ‘ação’ de certas cores como gestação para este novo olhar, este compromisso com novas perspectivas. Para a névoa oriunda de um mundo mergulhado na monotonia, o artista propõe frases curtas e densas que se aplicam à epifania da embriaguez como caminho para uma existência em plenitude. A proposital escolha do amarelo transgressor e do verde caótico a procura de uma nova ordem fixam a embrionária opção wildiana pela renovação do conceito de inexorabilidade do corpo. O ‘tempo’ insatisfatório é atravessado por rasgos de eternidade. O aparente desequilíbrio, produto do devir, assegura, paradoxalmente, um renovado equilíbrio que não se esgotaria diante de pré-concepções e cristalizações. A
1 NIETZSCHE, 2004, p.102.
conseqüência é uma estranha alegria que emana do sopro repetido destas cores. Alegria que enlaça o leitor para que a vida individual seja ultrapassada a cada momento. Na insistente repetição do amarelo e do verde, Wilde convida ao som dos movimentos da sinfonia que formam, de fato, o circuito de instantes, de ‘agoras’ que é a vida. Esta multiplicidade dos possíveis aproximaria o corpo percebido do corpo sonhado. O artista, desejoso de evitar a perplexidade diante do não vivido, instaura a graça do espanto. O irlandês acreditava ser dever de cada um dar uma forma –ainda que não a concebida de maneira ortodoxa – ao caos. Diz ele, em carta de 1897 ao amigo Robert Ross:
“Do outro lado do muro da prisão há...árvores...que estão agora cobrindo-se de brotos de um verde quase gritante. Sei perfeitamente o que lhes sucede: encontram sua expressão...” 2.
Escrito em 1889, o poema Sinfonia em amarelo reluz pela simplicidade. Em cenas cotidianas, Wilde insere elementos com a cor da revolta, do anseio por mudanças. Em versos serpentinos, o poema é concebido para, da tragicidade que emana da monotonia, chegar à alegria das oportunidades de escolha. Visitemos, enfim, o texto:
Um ônibus atravessa a ponte, Borboleta amarela a deslizar, E aqui e ali, algum passante Parece um mosquito inquieto
Grandes barcaças cheias de amarelo feno São impelidas para os cais sombrios, E como um amarelo cachecol de seda Pende ao longo do molhe de espessa névoa
Começam a secar as folhas amarelas E dos olmos do Templo caem, girando, E aos meus pés o Tâmisa verde-pálido Jaz como uma barra de enrugado jade.
2 WILDE, 2003, p.1240.
O estilo impressionista é predominante. A transgressão imposta pelo amarelo mostra o desejo do artista de sentir seu hálito contaminando todo o lugar ‘exigindo’ um posicionamento acerca da ordem estabelecida. Dos três movimentos que uma sinfonia tem, Wilde enfatiza na hora silenciosa o andante, obscuro, trágico, melancólico. Cada indivíduo experimenta a dor e o que determinará uma vida de ‘tranqüilidade’ é como passará deste para o próximo movimento. Allegro neste poema está ainda implícito nas palavras, é a esperança nutrida pelo poeta; allegro está dentro dele. A força do desejo, no entanto, explode para os ‘eleitos’ – aqueles que se mantêm abertos, à deriva, à espera. O poeta vislumbra a beleza dentro do disforme. Foi capaz de, sem cavar, perceber intensa luz e enigmático ar. A procura, no entanto, ainda é do outro; a ele cabe o exemplo de quem re-emergiu, para tornar-se novo. Diz Wilde mais tarde em O crítico como artista (1891):
“(ao poeta)...pertence a vida em sua absoluta e plena totalidade; não somente a beleza que os homens vêem, mas a que ouvem; não só a graça momentânea de forma ou a fugaz alegria da cor, mas toda a esfera da sensação, o ciclo completo do pensamento...”3.
Para tanto, Wilde elenca ícones de recriação: a borboleta, as flores amarelas da estação e o rio para produzir o ritmo do poema. A borboleta a deslizar lembra o leitor do esforço interior pelo qual se deve passar para que a beleza desabroche. De lagarta com cor turva à dama de vestimenta colorida e leve, assim é o processo de desdobramento do eu; camada após camada deixando que o fluido da vida nutra os membros de forma a garantir perene liberdade. Logo de início, o ônibus que atravessa a ponte anima o poeta, toma um impulso na corrente de sentimentos, mesmo em meio às perdas – afinal, este sofrimento já levara o poeta à sublime abstenção de qualquer queixa. Ele espera pelas estações e deposita neste momento crédito especial ao outono – tempo de recolhimento, para que nova vida possa brotar. Após a queda das folhas, a visão se tornará mais límpida, menos 3 WILDE, 2003, p.1134.
obscurecida pelos estereótipos. A alusão a esta estação satisfatória, já que de mudança, faz-nos indagar do tempo musical em consonância ou dissonância com o tempo cronológico. O tempo em Wilde é predominantemente interior, regido pela imaginação. Esta pode e deve superar todo e qualquer empecilho, permitindo um constante deslocamento, um exercício para o corpo insubmisso. Nesta desmesura, aposta na fronteira para garantir o estado de exceção da arte. Daí, ser imprescindível a escolha pela simultaneidade que, aflorando no tempo e no espaço, permite matizes de sons até então impensados. A repetição do amarelo e do verde não nasce do tempo, ela é o tempo4. As insistentes cores se aninham nos corações e esperam que, pelo ‘desconforto’, possam atingir resultados. A resistência do ‘passante’, ‘inquieto mosquito’, contrasta com a ‘borboleta amarela’, já transfigurada, plena da força da vida que espera e vence. O rio, acostumado ao movimento contínuo das águas, que mudava sua constituição diariamente, observa com curiosidade a névoa encantada. Enquanto isso, deseja também ser observado e que o verde de suas águas seduza outros passantes. Ele leva as barcaças para os sombrios cais e se deslumbra, com certeza, diante do contraste com a luz dos feixes de feno, que quer envolver e aquecer os corações frios e sem destino. O Tâmisa, verde, é então, testemunha e junto ao poeta aguarda o momento de revelação. O rio, em seu fluxo constante, observa a ambiência caótica e este sentimento é abrilhantado pela cor. É o mesmo do ensino de Heráclito, o sempre novo, o perseverante, posse que não se reduz com o uso. É preciso olhá-lo e rir, descobrindo em si um herói e um insano, bailar em suas águas como trocista, sem vergonha de experimentar a leveza que a vida social negara. As folhas que caem desenham também uma trilha a ser seguida pelos que se dispuserem à aventura e jazem na rua – lugar de alma encantadora. Estas mesmas folhas, como não imaginar, já transformadas em sua textura e sua cor pela estação, aos pés do amado e precioso rio, tal qual narcisos, invejariam os homens capazes do mergulho que resultaria em transmutação. A coragem de banhar-se no verde caótico e recriar-se rumo a uma ordem – fato que se repetiria , pois “a criação tende a repetir-se” (WILDE, 2003,p.1123) – está nos versos finais:
4 FINK, 1983, p.106(ver)
... “E aos meus pés o Tâmisa verde-pálido Jaz como uma barra de jade.” Wilde sabia que enquanto os indivíduos não expressassem seu verdadeiro ‘eu’ selariam um destino infiel ao elevado potencial a respeito da vida. Mantém, porém, um espírito vago, um tom de indeterminação no texto para forçar seu leitor a entender a mensagem de que a “virtude e a maldade são simplesmente para ele (artista) o que são para o pintor as cores em sua palheta...Vê que por meio delas pode produzir-se certo efeito artístico e produz...” 5. O amarelo procura envolver e seduzir semelhantes. O trabalho é árduo, avança lentamente, o sofrimento é voluntário e, por isso, compensador. Ele sabe que não é fácil ultrapassar a fronteira da consciência, mas se o ônibus atravessa uma ponte diariamente haverá um instante em que a inconsciência chamará os indivíduos a entregarem-se à embriaguez favorável a obstrução de todo e qualquer preconceito. A resposta está no acolhimento estético de todas as coisas: “discernir a beleza de uma coisa é o mais alto ponto a que podemos alcançar. Até mesmo um senso de cor é mais importante no desenvolvimento do indivíduo do que um senso de bem e de mal...” (o crítico-p.1163). A sociedade, dizia ele, primava pela emoção que levasse à ação e a arte queria a emoção pela emoção. A sociedade existia simplesmente para concentrar energia humana suficiente para assegurar a perpetuação de todas as coisas a partir de uma sadia estabilidade. “As belas emoções estéreis que a arte desperta em nós são odiosas a seus olhos e esse horrível ideal social domina com sua tirania tão por completo as pessoas...” ( WILDE, 2003, p.1143). A visão desta cena captada por Wilde devia levar ao descanso daquele que escolhe o sonho; daquele para quem deseja que nenhuma forma de pensamento seja estranha, nenhuma emoção, obscura. Simpatizar com o pensamento: eis o segredo, pois, “a arte é uma paixão e em matéria de arte o Pensamento está inevitavelmente colorido pela emoção...” (WILDE, 2003,p.1152). A entrega ao poema é essencial e o que se espera é que nada além dele povoe a mente; nada de preconceitos, preferências. Assim, a cor do texto se mostrará, seu prodígio criará, enfim, um mundo mais real do que a própria
5 WILDE,2003, p.1327.
realidade, um sentimento sem limites se ‘imporá’. E este é o momento oportuno para o ‘grande salto’ em direção ao labirinto, que recusa a obviedade da linha reta. A Sinfonia continua a ecoar aos ouvidos, “seus pastéis são fascinantes como paradoxo...se não abriram os olhos aos cegos, deram, ao menos, grandes alentos aos míopes...” (WILDE, 2003, p.1156). Para um artista como Wilde, o som da liberdade de expressão só poderia vir por esta cor de energia, de uma luz inebriante, ao mesmo tempo de Apolo e de Dionísio; cor de duas ‘faces’ que, no jogo estético, garante o allegro, seqüência sonora que desvela para cada indivíduo o que jaz em seu interior: esta vontade de completitude, de experimentação das várias existências dentro de uma mesma. A cor assegura a força da mascarada e, na fortaleza que emana da música que só a ouvidos atentos se permite ‘descobrir’, Oscar Wilde ativa o mecanismo de um texto que se quer diferença. Aí, neste instante, a Arte vence.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BARTHES, R. O prazer do texto. Lisboa: Edições70, 2001. FINK, E. A filosofia de Nietzsche. Lisboa: Editorial Presença, 1983. WILDE, O . Obra Completa. Rio de Janeiro; Nova Aguilar, 2003.
Mais um pouco de Rubem Alves
Todo jardim começa com um sonho de amor.
Antes que qualquer árvore seja plantada
ou qualquer lago seja construído,
é preciso que as árvores e os lagos
tenham nascido dentro da alma.
Quem não tem jardins por dentro,
não planta jardins por fora
e nem passeia por eles...
Antes que qualquer árvore seja plantada
ou qualquer lago seja construído,
é preciso que as árvores e os lagos
tenham nascido dentro da alma.
Quem não tem jardins por dentro,
não planta jardins por fora
e nem passeia por eles...
Viva a vida, segundo Rubem Alves
A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente
Ah...Wilde...sempre!
Feliz sou porque amo e sou amado
Sem ter que alterar nem ser alterado.
Sou o que sou, e quem me apontar
Os excessos medirá os que são seus;
A prumo talvez eu esteja, e eles vergados;
Os seus pensamentos não denunciam os meus atos.
Sem ter que alterar nem ser alterado.
Sou o que sou, e quem me apontar
Os excessos medirá os que são seus;
A prumo talvez eu esteja, e eles vergados;
Os seus pensamentos não denunciam os meus atos.
Ano novo
Nova é a atitude, as ações que com coragem desempenhamos. O tempo é o mesmo. O ciclo só se fecha se o coração se abre. Aventurar-se na novidade...isso é ano anovo, minuto novo.
Desejo aos leitores um novo de verdade. De alegria.
Desejo aos leitores um novo de verdade. De alegria.
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
sexta-feira, 27 de outubro de 2017
Por que ler?
Em uma das primeiras aulas com um querido professor, aprendi lição que, dentre outras tantas, merece ser lembrada: O real não é; o real e...e.... A realidade é mais do que os sentidos podem perceber e...a literatura mostra isso com maestria. A aventura do texto desloca do comum, do ordinário, convidando para a novidade constante.
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
OSCAR
OSCAR WILDE: MÁSCARA EM MOVIMENTO
''...Nenhum grande artista vê as coisas tais como são na realidade. Se as visse, deixaria de ser um artista...''
1 Marcado por contradições, o discurso do século XIX apresentava-se, ao mesmo tempo, soberano e prisioneiro. Daí, a necessidade de, pela exploração da palavra nas suas virtualidades, elevá-la acima da pobre expressividade da comunicação cotidiana. Um novo encantamento desejava insinuar-se nas fissuras do tecido social. Havia a nostalgia de uma singularidade anterior a estereotipia. Assim, o artista, ao se deixar levar pelo sabor das paixões, recusava-se a dissimular intencionalmente com os outros, arriscando-se a perpetuar a situação presente. Esta 'loucura' ofereceria uma visão mais global, a totalidade dos segredos.O real se multiplicaria e o corpo, invadido, errante, desconstrutor, reconquistaria o equilíbrio esquecido. Houve, assim, uma autêntica reinvindicação do mistério contra o racionalismo matemático. O prazer estético surgiu como esperança de rompimento do cárcere em que se encontrava a individuação. A facilidade de desfazer-se de uma identidade no momento em que ela deixava de ser satisfatória passou a ser mais importante, já que permitia amorosa ausculta ao mundo interior, até então tempestuosamente marcado pela subserviência. Distante do poder controlador, percebeu-se que o essencial não tinha nome ou forma: era descoberta e assombro, glória e condenação. A produção artística gerada desta exigência foi de uma beleza até então desconhecida, de uma sensualidade especializada e sensações requintadas. Nesta cena, insubmisso, revolucionário, inquieto, decadente, Oscar Wilde teve a vida como conflito, incerteza, com um enredo constantemente transmutado no estuário de atitudes audaciosas e palavras cortantes em direção ao remanso da superação de uma moral que agrilhoava o espírito. Sua arte convidava o discurso a valsar. Invencível na tendência de 'agitar' sua época pelo dizer textual, de surpreendente investida e negação do creditado sistema de verdades, promoveu um mundo que, a partir do olhar, reencontraria todas as cores, tanto na alegria como no mais extremo receio (cf. BOLLON, 1993, p.170), questionando o caráter de solidez do corpo. Como esteta, amante do brilho da antigüidade e como dândi, admirador do algo novo da modernidade,Wilde combinou reconstrução e renascimento. Viu nas possibilidades de prazer oferecidas pela vida o começo da beleza e provocou confusão ao não descartar uma verdade colocando o oposto em seu lugar, mas sim, jogando com os dois sentidos ao mesmo tempo. Questionando a dualidade, ousava reescrever a História. Seu leitor é incitado a alargar o universo, não oferecer resistência à liberdade de expressão. O provisório completa, refaz, contorna, vence. Wilde encontrou o estilo adequado à pintura febril dos impulsos levando o texto literário não ao definitivo, mas à busca atormentada. Saltando-lhe na cabeça mil caprichos, promoveu um espetáculo estético perverso repleto de futuro. Supera, assim, sua época, ao opor-se frontalmente a ela. A luta do esteta pelo novo não enunciou leis. Justapondo o 'real' e o'poético', assumiu o mistério, o eternamente flutuante. Então,guia artístico na Inglaterra vitoriana , por meio do artifício auto-consciente da máscara, desestruturou a pretensa segurança que a 'compreensão das coisas' trazia. Esta nova linguagem se direcionaria para o inatingível, o inesgotável murmúrio das palavras. Este novo artista é convocado a, a partir de diferentes 'eus' e realidades a sua escolha, desacreditar a tendência de ver o mundo como uma verdade unitária. A meta não era a de desmistificar as ilusões humanas, e sim, encontrar nelas o testemunho mais sugestivo do espírito e imaginação humanos. Wilde, juntamente com outros representantes do movimento decadente, tinha no vago, no indistinto e no incorpóreo a contrapartida ao objeto descrito com precisão, de forma concreta e lógica . Inventando-se, criou um espetáculo, violou limites e subtraiu toda referência anterior. A imprecisão de contornos em seu corpus, aproximou o corpo percebido do corpo sonhado. A vertigem especular revelada conduz à impossibilidade qualquer imagem fixa do corpo, trazendo uma estratificação outra, identificando tempo e espaço como meros acidentes. Na 'perda' desta existência 'localizada', encontraria-se a nova consciência, que daria aos indivíduos inumeráveis enigmas. Um novo homem se molda de uma argila mais nobre, embriagada de força artística, impulsionado à surpreendente capacidade simbólica (ver NIETZSCHE, 2001, p. 35). Afinal, segundo Wilde, a verdade sobre a vida de um homem não estava no que ele havia realizado, e sim,na lenda que construísse a seu redor, podendo com ela serem "tecidas belas poesias como se fossem fios brilhantes e sedas em múltiplos desenhos, em numerosos modelos, maravilhosos e diferentes." (WILDE, 2003, p. 1260). A arte tornou-se uma operação mágica capaz de evocar uma face perdida. Como jogador, apostou na teatralidade do mundo,deslocando a proposta vitoriana para o exercício do dandismo e, postulando a amoralidade, brincou com as sombras, os reflexos, numa rede que pôs sua personalidade em questão. A ebriedade natural com que via as coisas fez de sua escrita, uma escrita de passagem: que não se acomodava à hora, mas sim, à intenção. Pela ficção, construiu-se constantemente, obtendo o que lhe faltava de fato. Sabendo que nascera incompleto, buscou a totalidade - o apolíneo e o dionisíaco -, pois sabia que a existência era movimento de criação e morte. Sua grande meta foi evitar a perplexidade diante do não vivido, da não fidelidade, do conseqüente estranhamento e mal estar produzidos pelo distanciamento de si. Reconhecendo ser forçosa a redução dos homens em heróis ou vilões, postulou ser a disciplina uma forma de amestrar indivíduos, reduzindo-os a animais mansos e 'civilizados' e através das palavras, quis 'enganar a saudade' de uma época sem esquecimento: "creio que se um homem quisesse viver a sua vida plena e completamente, se quisesse dar forma a todo sentimento seu, expressão a cada pensamento, realidade a todo sonho, acredito que o mundo receberia tal impulso novo de alegria que esqueceríamos todas as enfermidades medievais, para voltar ao ideal grego, a algo mais belo e mais rico..." (WILDE, 2003, p.69). Ao fazer conhecimento de si, pela arte, teve que pôr-se à margem, perder seu lugar junto a indivíduos ajustados ao sistema, morrer, para se encontrar num eterno presente.No contentamento desta descoberta, prenhe de possibilidades, esteve pronto para experiências reais e supra-reais. Saber que a distância entre dois corpos é enorme e não apenas um tênue interlúdio e que nela orbitam inumeráveis circunstâncias que a dicção literária pode fazer desaparecer, permitindo que se cruze este limiar foi idéia atraente para Wilde. Na senda do mestre Baudelaire, sabia que só a surpresa, o inesperado são características do belo. Do que era visto como artesanato ordinário da natureza fluiria notável novidade. Contra o reino da uniformidade e da mediocridade, a escrita-dândi de Wilde ofereceu a impertinência da nudez de uma inversão do sério e do fútil, do útil e do inútil. Acelerou, retardou, produziu tonalidades para o texto que seduziriam, convidando o leitor à regredir ao infinito. Seu desempenho altamente estilizado - cuidadosamente construído -,combina febre e paz. Sentindo a náusea da impotência do tempo diante dos inumeráveis e misteriosos caminhos, fortaleceu a vontade de mudança e, figura apolínea, fez seu caminho para o Sol, como que a convite de Nietzsche, seu contemporâneo: "Prazerosamente ouço dizer que o nosso Sol se dirige rapidamente para a constelação de Hércules. Tenho esperanças de que o homem da Terra imite, nisso, o Sol! E nós na vanguarda, nós os bons europeus!" (NIETZSCHE, 2003, p.164). Como se arrastasse o peso de todas as vivências, ofereceu uma arte que se queria adivinhada, vestindo e revestindo as palavras, penetrando como ninguém nos labirintos do texto, não para descobrir suas saídas, mas para mostrar que o estar neles, em suas câmaras com infindas portas e janelas verticais e horizontais (ver BORGES,1998,p. 39), era o caminho a ser percorrido. Seus leitores são atirados em um mundo vasto, repleto de espelhos estrategicamente posicionados e intencionados para que a linha de Ariadne seja desnecessária. Sua escrita representa as muitas idas e vindas por lugares repletos de luz, da luz de uma visão mais ampla, para além dos estereótipos. Diz Borges: "No tempo real, na história, cada vez que se depara com diversas alternativas o homem deve optar por uma e elimina ou perde a outra; mas não no ambíguo tempo da arte, que se parece ao da esperança e ao esquecimento.” 2 Wilde não quis optar e deixou-nos livres também para a aventura de experimentar. Sonhou a vida e convidou ao sonho. Infiltrou-se no nada que separa o escritor e a escritura.Sabia que toda e qualquer manifestação artística traz em si o germe da criação primeira e não imitável, - forma em constante mutação. Ao desespero desta lucidez, trouxe uma 'gaia ciência' para a vida, recusando-se a descer do palco, tomando de assalto os moinhos das verdades. Porque conhecia a todos os mecanismos que poderiam agir sobre sua pessoa, perfeitamente, entregou-se aos subterfúgios, aos caminhos ocultos. Eco de Derrida: "devo em primeiro lugar ouvir-me. No solilóquio como no diálogo, falar é ouvir-se." (DERRIDA,2002, p. 119). Na intencional composição de suas personagens, encontrou seu destino. Restabeleceu contato com o mundo, a partir da sedução do ficcional. Pôs o corpo à serviço do corpus, seu texto estranho. Ladrão do fogo divino que emana das palavras, tesouro hieroglífico, ofereceu toda a poesia de uma vida dedicada ao Belo. Lapidou o sonho e deu à sua época um romance único O retrato de Dorian Gray . Obra completa e definitiva - resumo colorido de quem quis abolir os protocolos para a leitura das palavras. A permissividade de seu sim sem limite, seduz até hoje os leitores.Pacto sinistro com Wotton, Hallward e Gray. O romance analisa e disseca o prazer em todas as fases possíveis. Dorian mantém uma relação problemática com sua imagem e precisa se defender da insignificância biológica que julga insuportável: o corpo humano - insuficiente, defeituoso, limitado, efêmero. A percepção de sua fisiologia rompe com a perspectiva linear que mantinha o corpo como algo imóvel. Daí, a história ser também uma metáfora do esgotamento do cânone. Wilde introduz a idéia de que as pessoas escondiam seus estilos triviais de vida sob imagens prudentes que não denunciariam suas vidas duplas. Lorde Henry - personagem -chave - suavemente desnuda o sentimento de tédio com certeza então presente no interior de Dorian e passa a fazer com ele experiências de suas teoria morais (ou imorais?), 'abrindo os olhos' do jovem para sua própria beleza e o valor indescritível da eterna juventude, já que "...influenciar uma pessoa é transmitir-lhe nossa própria alma. Ela já não pensa com seus pensamentos naturais, nem arde com suas paixões naturais. As virtudes não são reais para ela. Os seus pecados, se é que existem pecados, são emprestados. Ela se converte em eco de uma música alheia, em ator de um papel que não foi escrito para ela...." (WILDE, 2003,p.68). A conseqüência ao abrir os olhos foi descobrir a dor. Dorian reconhece que a mente é fragmentada e não possui as fronteiras que ele estabelecera. O jovem percebe-se, então, objeto inscrito em uma trama que não pode controlar. Encarna o conflito de todo homem civilizado que encontra dificuldade em aceitar os limites fixados por esta corporeidade e sente-se compelido a desafiá-la. A Dorian, a idéia dos traços e das rugas constituírem sinais visíveis de uma escrita que o tempo poderia destruir aterrorizava o jovem porque anularia o idealismo de beleza. Seriam representações da morte antes da morte. As palavras de Lorde Henry foram do corpo à alma , dos órgãos à conduta do jovem. A enunciação do desejo de ter seu corpo intocado pelo tempo, enquanto o retrato guardaria todas as marcas, lança Dorian em uma jornada frenética que caracteriza a busca decadentista de um mais além que não conhecia qual fosse, apenas desejando algo de novo:"quanto mais sabia, mais desejava saber. Todos os apetites furiosos, se tornavam mais vorazes à medida que os satisfazia." (WILDE,2003 p. 151). Lorde Henry conseguiu perturbar a 'obra' de Basílio. O pintor entrou com seu corpo na pintura, por isso, ao passear os olhos sobre o retrato podia reconhecer-se também; desejava fundir-se ao modelo, já que o criador acreditava ter depositado demasiado de si. O clima dramático se intensifica quando Dorian é presenteado com o 'livro amarelo': "seus olhos caíram sobre o livro amarelo que Lorde Henry lhe enviara. Que seria?...era o livro mais estranho que tinha lido. Teve a impressão de que os pecados do mundo, vestidos de maneira singular, desfilavam diante em um mudo cortejo, ao som delicado de algumas flautas. Coisas com que tinha sonhado confusamente se tornavam repentinamente reais para ele...era uma novela sem enredo, com um personagem, na realidade, um simples estudo psicológico de um jovem parisiense, que passava a vida tentando concretizar, no século XIX, todas as paixões e maneiras de pensar de todos os outros séculos, com exceção do seu, e resumir em si mesmo os estados de ânimo que experimentou..." (WILDE,2003 p. 149). Dorian tinha sido envenenado e procurava transcender as relações humanas, suspender o tempo e a História. A vida passava a ser concebida como movimento em sua atemporalidade. Wilde transmite o momento sempre presente de experiência e intensidade, quer em vinte e quatro horas ou em anos, unindo acontecimentos que formam a duração da imaginação humana. O grande prazer estaria nesta jornada em direção ao desconhecido, realidade interior que nunca poderia ser completamente apreendida. Ao buscar o múltiplo em sua personalidade, Dorian multiplica seus pecados. Ele falha, não por causa destes, mas devido à incapacidade de atingir a alta torre do desinteresse contemplativo de si e do mundo. Permanecendo prisioneiro do medo e do remorso, tentou adequar as fantasias que criara à consciência do mundo. Dorian, como corpo invadido pela loucura e pela paixão, sobreviveria eternamente, não fosse a tentação de categorizar. Para continuar 'atuando', era preciso permanecer velado pela ilusão. Foi seu derradeiro erro. O trágico fim de seu notório personagem foi também o seu. Oscar Wilde trocou a dor que pode durar a vida inteira pelo prazer que dura um instante. Ao dar de seu conhecimento para os outros, roubou algo de si mesmo e conheceu a força da dor. Sua recompensa, no entanto, foi o reconhecimento no imenso número de seguidores em todo o mundo. As inúmeras máscaras revelaram, cada uma a seu modo, pistas para uma vida completa.Não fez de seu coração um coração de pedra (como diz em Apologia ), seguindo o caminho ‘poeirento' do senso comum. Sua arte escrita seria guia da experiência para os espíritos livre que estavam por vir.
NOTAS: 1 WILDE, 2003, p.1090 2 BORGES, 1998, p.531 BIBLIOGRAFIA : BORGES, J.L. Obras completas i . São Paulo: Globo, 1998. COELHO, J.P. A letra e o leitor . Póvoa de Varzim: Portugália Editora, 1968. DANSON, L. Wilde's intentions . New York : Oxford University Press, 1997. DERRIDA, J. A escritura e a diferença . São Paulo: Editora Perspectiva, 2002. NIETZSCHE, F. Para além do bem e do mal . São Paulo: Martin Claret, 2003. --------------------. O nascimento da tragédia . São Paulo: Companhia das Letras, 2001. RIBEIRO, J. Páginas de estética . Rio de Janeiro: Livraria São José, 1963. WILDE, O. Obra Completa . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.
''...Nenhum grande artista vê as coisas tais como são na realidade. Se as visse, deixaria de ser um artista...''
1 Marcado por contradições, o discurso do século XIX apresentava-se, ao mesmo tempo, soberano e prisioneiro. Daí, a necessidade de, pela exploração da palavra nas suas virtualidades, elevá-la acima da pobre expressividade da comunicação cotidiana. Um novo encantamento desejava insinuar-se nas fissuras do tecido social. Havia a nostalgia de uma singularidade anterior a estereotipia. Assim, o artista, ao se deixar levar pelo sabor das paixões, recusava-se a dissimular intencionalmente com os outros, arriscando-se a perpetuar a situação presente. Esta 'loucura' ofereceria uma visão mais global, a totalidade dos segredos.O real se multiplicaria e o corpo, invadido, errante, desconstrutor, reconquistaria o equilíbrio esquecido. Houve, assim, uma autêntica reinvindicação do mistério contra o racionalismo matemático. O prazer estético surgiu como esperança de rompimento do cárcere em que se encontrava a individuação. A facilidade de desfazer-se de uma identidade no momento em que ela deixava de ser satisfatória passou a ser mais importante, já que permitia amorosa ausculta ao mundo interior, até então tempestuosamente marcado pela subserviência. Distante do poder controlador, percebeu-se que o essencial não tinha nome ou forma: era descoberta e assombro, glória e condenação. A produção artística gerada desta exigência foi de uma beleza até então desconhecida, de uma sensualidade especializada e sensações requintadas. Nesta cena, insubmisso, revolucionário, inquieto, decadente, Oscar Wilde teve a vida como conflito, incerteza, com um enredo constantemente transmutado no estuário de atitudes audaciosas e palavras cortantes em direção ao remanso da superação de uma moral que agrilhoava o espírito. Sua arte convidava o discurso a valsar. Invencível na tendência de 'agitar' sua época pelo dizer textual, de surpreendente investida e negação do creditado sistema de verdades, promoveu um mundo que, a partir do olhar, reencontraria todas as cores, tanto na alegria como no mais extremo receio (cf. BOLLON, 1993, p.170), questionando o caráter de solidez do corpo. Como esteta, amante do brilho da antigüidade e como dândi, admirador do algo novo da modernidade,Wilde combinou reconstrução e renascimento. Viu nas possibilidades de prazer oferecidas pela vida o começo da beleza e provocou confusão ao não descartar uma verdade colocando o oposto em seu lugar, mas sim, jogando com os dois sentidos ao mesmo tempo. Questionando a dualidade, ousava reescrever a História. Seu leitor é incitado a alargar o universo, não oferecer resistência à liberdade de expressão. O provisório completa, refaz, contorna, vence. Wilde encontrou o estilo adequado à pintura febril dos impulsos levando o texto literário não ao definitivo, mas à busca atormentada. Saltando-lhe na cabeça mil caprichos, promoveu um espetáculo estético perverso repleto de futuro. Supera, assim, sua época, ao opor-se frontalmente a ela. A luta do esteta pelo novo não enunciou leis. Justapondo o 'real' e o'poético', assumiu o mistério, o eternamente flutuante. Então,guia artístico na Inglaterra vitoriana , por meio do artifício auto-consciente da máscara, desestruturou a pretensa segurança que a 'compreensão das coisas' trazia. Esta nova linguagem se direcionaria para o inatingível, o inesgotável murmúrio das palavras. Este novo artista é convocado a, a partir de diferentes 'eus' e realidades a sua escolha, desacreditar a tendência de ver o mundo como uma verdade unitária. A meta não era a de desmistificar as ilusões humanas, e sim, encontrar nelas o testemunho mais sugestivo do espírito e imaginação humanos. Wilde, juntamente com outros representantes do movimento decadente, tinha no vago, no indistinto e no incorpóreo a contrapartida ao objeto descrito com precisão, de forma concreta e lógica . Inventando-se, criou um espetáculo, violou limites e subtraiu toda referência anterior. A imprecisão de contornos em seu corpus, aproximou o corpo percebido do corpo sonhado. A vertigem especular revelada conduz à impossibilidade qualquer imagem fixa do corpo, trazendo uma estratificação outra, identificando tempo e espaço como meros acidentes. Na 'perda' desta existência 'localizada', encontraria-se a nova consciência, que daria aos indivíduos inumeráveis enigmas. Um novo homem se molda de uma argila mais nobre, embriagada de força artística, impulsionado à surpreendente capacidade simbólica (ver NIETZSCHE, 2001, p. 35). Afinal, segundo Wilde, a verdade sobre a vida de um homem não estava no que ele havia realizado, e sim,na lenda que construísse a seu redor, podendo com ela serem "tecidas belas poesias como se fossem fios brilhantes e sedas em múltiplos desenhos, em numerosos modelos, maravilhosos e diferentes." (WILDE, 2003, p. 1260). A arte tornou-se uma operação mágica capaz de evocar uma face perdida. Como jogador, apostou na teatralidade do mundo,deslocando a proposta vitoriana para o exercício do dandismo e, postulando a amoralidade, brincou com as sombras, os reflexos, numa rede que pôs sua personalidade em questão. A ebriedade natural com que via as coisas fez de sua escrita, uma escrita de passagem: que não se acomodava à hora, mas sim, à intenção. Pela ficção, construiu-se constantemente, obtendo o que lhe faltava de fato. Sabendo que nascera incompleto, buscou a totalidade - o apolíneo e o dionisíaco -, pois sabia que a existência era movimento de criação e morte. Sua grande meta foi evitar a perplexidade diante do não vivido, da não fidelidade, do conseqüente estranhamento e mal estar produzidos pelo distanciamento de si. Reconhecendo ser forçosa a redução dos homens em heróis ou vilões, postulou ser a disciplina uma forma de amestrar indivíduos, reduzindo-os a animais mansos e 'civilizados' e através das palavras, quis 'enganar a saudade' de uma época sem esquecimento: "creio que se um homem quisesse viver a sua vida plena e completamente, se quisesse dar forma a todo sentimento seu, expressão a cada pensamento, realidade a todo sonho, acredito que o mundo receberia tal impulso novo de alegria que esqueceríamos todas as enfermidades medievais, para voltar ao ideal grego, a algo mais belo e mais rico..." (WILDE, 2003, p.69). Ao fazer conhecimento de si, pela arte, teve que pôr-se à margem, perder seu lugar junto a indivíduos ajustados ao sistema, morrer, para se encontrar num eterno presente.No contentamento desta descoberta, prenhe de possibilidades, esteve pronto para experiências reais e supra-reais. Saber que a distância entre dois corpos é enorme e não apenas um tênue interlúdio e que nela orbitam inumeráveis circunstâncias que a dicção literária pode fazer desaparecer, permitindo que se cruze este limiar foi idéia atraente para Wilde. Na senda do mestre Baudelaire, sabia que só a surpresa, o inesperado são características do belo. Do que era visto como artesanato ordinário da natureza fluiria notável novidade. Contra o reino da uniformidade e da mediocridade, a escrita-dândi de Wilde ofereceu a impertinência da nudez de uma inversão do sério e do fútil, do útil e do inútil. Acelerou, retardou, produziu tonalidades para o texto que seduziriam, convidando o leitor à regredir ao infinito. Seu desempenho altamente estilizado - cuidadosamente construído -,combina febre e paz. Sentindo a náusea da impotência do tempo diante dos inumeráveis e misteriosos caminhos, fortaleceu a vontade de mudança e, figura apolínea, fez seu caminho para o Sol, como que a convite de Nietzsche, seu contemporâneo: "Prazerosamente ouço dizer que o nosso Sol se dirige rapidamente para a constelação de Hércules. Tenho esperanças de que o homem da Terra imite, nisso, o Sol! E nós na vanguarda, nós os bons europeus!" (NIETZSCHE, 2003, p.164). Como se arrastasse o peso de todas as vivências, ofereceu uma arte que se queria adivinhada, vestindo e revestindo as palavras, penetrando como ninguém nos labirintos do texto, não para descobrir suas saídas, mas para mostrar que o estar neles, em suas câmaras com infindas portas e janelas verticais e horizontais (ver BORGES,1998,p. 39), era o caminho a ser percorrido. Seus leitores são atirados em um mundo vasto, repleto de espelhos estrategicamente posicionados e intencionados para que a linha de Ariadne seja desnecessária. Sua escrita representa as muitas idas e vindas por lugares repletos de luz, da luz de uma visão mais ampla, para além dos estereótipos. Diz Borges: "No tempo real, na história, cada vez que se depara com diversas alternativas o homem deve optar por uma e elimina ou perde a outra; mas não no ambíguo tempo da arte, que se parece ao da esperança e ao esquecimento.” 2 Wilde não quis optar e deixou-nos livres também para a aventura de experimentar. Sonhou a vida e convidou ao sonho. Infiltrou-se no nada que separa o escritor e a escritura.Sabia que toda e qualquer manifestação artística traz em si o germe da criação primeira e não imitável, - forma em constante mutação. Ao desespero desta lucidez, trouxe uma 'gaia ciência' para a vida, recusando-se a descer do palco, tomando de assalto os moinhos das verdades. Porque conhecia a todos os mecanismos que poderiam agir sobre sua pessoa, perfeitamente, entregou-se aos subterfúgios, aos caminhos ocultos. Eco de Derrida: "devo em primeiro lugar ouvir-me. No solilóquio como no diálogo, falar é ouvir-se." (DERRIDA,2002, p. 119). Na intencional composição de suas personagens, encontrou seu destino. Restabeleceu contato com o mundo, a partir da sedução do ficcional. Pôs o corpo à serviço do corpus, seu texto estranho. Ladrão do fogo divino que emana das palavras, tesouro hieroglífico, ofereceu toda a poesia de uma vida dedicada ao Belo. Lapidou o sonho e deu à sua época um romance único O retrato de Dorian Gray . Obra completa e definitiva - resumo colorido de quem quis abolir os protocolos para a leitura das palavras. A permissividade de seu sim sem limite, seduz até hoje os leitores.Pacto sinistro com Wotton, Hallward e Gray. O romance analisa e disseca o prazer em todas as fases possíveis. Dorian mantém uma relação problemática com sua imagem e precisa se defender da insignificância biológica que julga insuportável: o corpo humano - insuficiente, defeituoso, limitado, efêmero. A percepção de sua fisiologia rompe com a perspectiva linear que mantinha o corpo como algo imóvel. Daí, a história ser também uma metáfora do esgotamento do cânone. Wilde introduz a idéia de que as pessoas escondiam seus estilos triviais de vida sob imagens prudentes que não denunciariam suas vidas duplas. Lorde Henry - personagem -chave - suavemente desnuda o sentimento de tédio com certeza então presente no interior de Dorian e passa a fazer com ele experiências de suas teoria morais (ou imorais?), 'abrindo os olhos' do jovem para sua própria beleza e o valor indescritível da eterna juventude, já que "...influenciar uma pessoa é transmitir-lhe nossa própria alma. Ela já não pensa com seus pensamentos naturais, nem arde com suas paixões naturais. As virtudes não são reais para ela. Os seus pecados, se é que existem pecados, são emprestados. Ela se converte em eco de uma música alheia, em ator de um papel que não foi escrito para ela...." (WILDE, 2003,p.68). A conseqüência ao abrir os olhos foi descobrir a dor. Dorian reconhece que a mente é fragmentada e não possui as fronteiras que ele estabelecera. O jovem percebe-se, então, objeto inscrito em uma trama que não pode controlar. Encarna o conflito de todo homem civilizado que encontra dificuldade em aceitar os limites fixados por esta corporeidade e sente-se compelido a desafiá-la. A Dorian, a idéia dos traços e das rugas constituírem sinais visíveis de uma escrita que o tempo poderia destruir aterrorizava o jovem porque anularia o idealismo de beleza. Seriam representações da morte antes da morte. As palavras de Lorde Henry foram do corpo à alma , dos órgãos à conduta do jovem. A enunciação do desejo de ter seu corpo intocado pelo tempo, enquanto o retrato guardaria todas as marcas, lança Dorian em uma jornada frenética que caracteriza a busca decadentista de um mais além que não conhecia qual fosse, apenas desejando algo de novo:"quanto mais sabia, mais desejava saber. Todos os apetites furiosos, se tornavam mais vorazes à medida que os satisfazia." (WILDE,2003 p. 151). Lorde Henry conseguiu perturbar a 'obra' de Basílio. O pintor entrou com seu corpo na pintura, por isso, ao passear os olhos sobre o retrato podia reconhecer-se também; desejava fundir-se ao modelo, já que o criador acreditava ter depositado demasiado de si. O clima dramático se intensifica quando Dorian é presenteado com o 'livro amarelo': "seus olhos caíram sobre o livro amarelo que Lorde Henry lhe enviara. Que seria?...era o livro mais estranho que tinha lido. Teve a impressão de que os pecados do mundo, vestidos de maneira singular, desfilavam diante em um mudo cortejo, ao som delicado de algumas flautas. Coisas com que tinha sonhado confusamente se tornavam repentinamente reais para ele...era uma novela sem enredo, com um personagem, na realidade, um simples estudo psicológico de um jovem parisiense, que passava a vida tentando concretizar, no século XIX, todas as paixões e maneiras de pensar de todos os outros séculos, com exceção do seu, e resumir em si mesmo os estados de ânimo que experimentou..." (WILDE,2003 p. 149). Dorian tinha sido envenenado e procurava transcender as relações humanas, suspender o tempo e a História. A vida passava a ser concebida como movimento em sua atemporalidade. Wilde transmite o momento sempre presente de experiência e intensidade, quer em vinte e quatro horas ou em anos, unindo acontecimentos que formam a duração da imaginação humana. O grande prazer estaria nesta jornada em direção ao desconhecido, realidade interior que nunca poderia ser completamente apreendida. Ao buscar o múltiplo em sua personalidade, Dorian multiplica seus pecados. Ele falha, não por causa destes, mas devido à incapacidade de atingir a alta torre do desinteresse contemplativo de si e do mundo. Permanecendo prisioneiro do medo e do remorso, tentou adequar as fantasias que criara à consciência do mundo. Dorian, como corpo invadido pela loucura e pela paixão, sobreviveria eternamente, não fosse a tentação de categorizar. Para continuar 'atuando', era preciso permanecer velado pela ilusão. Foi seu derradeiro erro. O trágico fim de seu notório personagem foi também o seu. Oscar Wilde trocou a dor que pode durar a vida inteira pelo prazer que dura um instante. Ao dar de seu conhecimento para os outros, roubou algo de si mesmo e conheceu a força da dor. Sua recompensa, no entanto, foi o reconhecimento no imenso número de seguidores em todo o mundo. As inúmeras máscaras revelaram, cada uma a seu modo, pistas para uma vida completa.Não fez de seu coração um coração de pedra (como diz em Apologia ), seguindo o caminho ‘poeirento' do senso comum. Sua arte escrita seria guia da experiência para os espíritos livre que estavam por vir.
NOTAS: 1 WILDE, 2003, p.1090 2 BORGES, 1998, p.531 BIBLIOGRAFIA : BORGES, J.L. Obras completas i . São Paulo: Globo, 1998. COELHO, J.P. A letra e o leitor . Póvoa de Varzim: Portugália Editora, 1968. DANSON, L. Wilde's intentions . New York : Oxford University Press, 1997. DERRIDA, J. A escritura e a diferença . São Paulo: Editora Perspectiva, 2002. NIETZSCHE, F. Para além do bem e do mal . São Paulo: Martin Claret, 2003. --------------------. O nascimento da tragédia . São Paulo: Companhia das Letras, 2001. RIBEIRO, J. Páginas de estética . Rio de Janeiro: Livraria São José, 1963. WILDE, O. Obra Completa . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.
domingo, 8 de outubro de 2017
Refletindo...
Os contos de fadas exercem uma influência muito benéfica na formação da personalidade porque, por meio da assimilação dos conteúdos da estória, as crianças aprendem que é possível vencer obstáculos e saírem-se vitoriosas, especialmente quando o herói vence no final. Isso ocorre porque, durante o desenrolar da trama, a criança se identifica com as personagens e “vive” o drama que ali é apresentado de uma forma geralmente simples, porém impactante. Conflitos internos importantes, inerentes ao ser humano, como a inevitabilidade da morte, o envelhecimento, a luta entre o bem e o mal, a inveja, etc. são tratados nos contos de fadas de modo a oferecer desfechos otimistas. Desta forma, oferece à criança uma referência para elaborar os terríveis elementos ansiógenos que habitam seu imaginário, como seus medos, desejos, amores, ódios etc., que na sua imatura e concreta perspectiva apresentam-se amedrontadores e insolúveis. Esse aprendizado é captado pela criança de uma forma intuitiva (por estarem os elementos sempre carregados de simbolismo) tornando-se muito mais abrangente do que seria possível se fosse feito pela compreensão meramente intelectual. Acredita-se que o efeito integrador que os contos de fadas têm sobre a personalidade seja o fator responsável pelo fato de terem resistido à passagem do tempo e terem se universalizado.
Mariuza Pregnolato
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
Refletindo...
Um de seus
primeiros efeitos benéficos ocorre no plano da linguagem. Uma sociedade sem
literatura escrita exprime-se com menos precisão, riqueza de nuances, clareza,
correção e profundidade do que a que cultivou, os textos literários.
Outro motivo
para se conferir à literatura um lugar de destaque na vida das nações é que,
sem ela, a mente crítica – verdadeiro motor das mudanças históricas e melhor
escudo da liberdade – sofreria uma perda irreparável. Porque toda boa
literatura é um questionamento radical do mundo em que vivemos. Qualquer texto
literário de valor transpira uma atitude rebelde, insubmissa, provocadora e
inconformista.
Mario Vargas
Llosa
terça-feira, 12 de setembro de 2017
(D)escolhas
De tudo bonito que posso escolher, espero o que sobra. Pego com o cuidado de quem aquilo escolheu. Meu critério passa a ser outro. Já tenho o objeto e os meus sentidos todos e, não somente o olhar, passam a trabalhar nele e com ele. É o que tenho. O que posso fazer dele?
Diariamente, enfrentamos situações a que somos expostos sem termos tido qualquer oportunidade de escolha. O bom que retiro disso é o bem que multiplicarei com a escolha do que não escolhi.
Diariamente, enfrentamos situações a que somos expostos sem termos tido qualquer oportunidade de escolha. O bom que retiro disso é o bem que multiplicarei com a escolha do que não escolhi.
quarta-feira, 6 de setembro de 2017
Aprendizagem significativa, para hoje e sempre
"A essência do processo de aprendizagem significativa é que as ideias expressas simbolicamente são relacionadas às informações previamente adquiridas pelo aluno através de uma relação não arbitrária e substantiva (não literal)." David Ausubel
terça-feira, 5 de setembro de 2017
Para minha irmã
Estabelecer um dia para se lembrar de uma categoria social, profissional ou mesmo familiar é até simpático. No entanto, pessoas queridas são lembradas a todo instante. Basta um som, uma canção, uma palavra e até odor para a memória afetiva remeter seu corpo e mente inteiros até aquela pessoa.
Minha irmã Maria Elizabeth é de sangue. Mas, mais do que isso é de espírito. Conto com seus aconselhamentos, incentivo, carinho o tempo todo e isso tudo faz dela única.
Lembro-me de você todos os dias. Hoje, aqui no blog, as palavras que tanto amo são para dizer o quanto sua vida faz diferença para mim. Elas vão sopradas com muita ternura para encontrar você aí onde está agora.
Minha irmã Maria Elizabeth é de sangue. Mas, mais do que isso é de espírito. Conto com seus aconselhamentos, incentivo, carinho o tempo todo e isso tudo faz dela única.
Lembro-me de você todos os dias. Hoje, aqui no blog, as palavras que tanto amo são para dizer o quanto sua vida faz diferença para mim. Elas vão sopradas com muita ternura para encontrar você aí onde está agora.
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
Mais da musicalidade do pensamento de Foucault
Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir.
A mudança constante é necessária. É revisão; reposicionamento. Não se trata de deixar de lado valores e crenças, mas rever suas atitudes nestes valores; sua adesão a eles no cotidiano.
A mudança constante é necessária. É revisão; reposicionamento. Não se trata de deixar de lado valores e crenças, mas rever suas atitudes nestes valores; sua adesão a eles no cotidiano.
A música de Foucault
Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo.
Cada vez que tento me definir já me tornei outro. Minha metamorfose não acaba. De lagarta a crisálida me desdobro e redobro minha ação no mundo. Sem medo. Sigo em frente porque só há em frente. Neste compasso, danço a vida e ela me acolhe.
segunda-feira, 31 de julho de 2017
Santo Inácio, para hoje
"A vitória mais bela que se pode alcançar é vencer a si mesmo."
É difícil a tarefa de conhecer-se, ultrapassar a barreiras interiores que impedem o progresso pessoal. A vida é desafio constante.
Escrevo para me encontrar também.
É difícil a tarefa de conhecer-se, ultrapassar a barreiras interiores que impedem o progresso pessoal. A vida é desafio constante.
Escrevo para me encontrar também.
terça-feira, 25 de julho de 2017
Para o dia do Escritor
Escrever não é uma escolha, é uma necessidade: fato destacado já por tantos aventureiros do universo das letras. Escreve-se para não morrer, para não sangrar, para não desistir, para não desanimar, para não deixar de acreditar. A força da palavra escrita liberta o que se traz no íntimo, em segredo, mas que, no fundo, se quer descoberto. Escreve-se para partilhar.
Epicuro, para hoje
"Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades."
As dificuldades são pontes que ligam o desânimo inicial à força da tentativa de ultrapassamento.
As dificuldades são pontes que ligam o desânimo inicial à força da tentativa de ultrapassamento.
sábado, 24 de junho de 2017
Ainda refletindo com Tolstoi
A sabedoria com as coisas da vida não consiste, ao que me parece, em saber o que é preciso fazer, mas em saber o que é preciso fazer antes e o que fazer depois.
Leon Tolstoi Decisões...tomamos a cada dia várias. Algumas nos satisfazem, outras satisfazem o outro. Muitas vezes não há tempo para reflexão e a ação deve ser rápida. O que fazer ou para quê são indagações que assombram os dias e, paradoxalmente, revelam muito de cada indivíduo.
Revelação
A arte é um dos meios que une os homens.
Leon Tolstoi Cada manifestação artística impulsiona o indivíduo para o reconhecimento de algo em si. Este 'segredo' é a ela revelado de pronto. A nós, no entanto, cabe decifrar o que de nós ela sabe e quer-nos dizer.
sábado, 3 de junho de 2017
Para hoje, Edgar Morin
"...compreender não só aos outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre seres humanos."
sexta-feira, 26 de maio de 2017
GUARDADOR DE EXISTÊNCIAS
Amigos leitores,
é com alegria que compartilho a publicação do meu novo e-book no www.amazon.com.br. Será uma honra contar com sua leitura.
é com alegria que compartilho a publicação do meu novo e-book no www.amazon.com.br. Será uma honra contar com sua leitura.
domingo, 7 de maio de 2017
Parabéns, Elisabeth Pinto
Mais um dia
A vida se alegra e se celebra
Com o dom de fazer amigos
E fazê-los acolhidos
Carisma percebido por todos que têm a felicidade de conhecê-la
No dez de maio, mais uma flor nasceu no jardim do mundo!
A vida se alegra e se celebra
Com o dom de fazer amigos
E fazê-los acolhidos
Carisma percebido por todos que têm a felicidade de conhecê-la
No dez de maio, mais uma flor nasceu no jardim do mundo!
sexta-feira, 28 de abril de 2017
Contra a tacocracia
Relembra-nos Edgar Morin que o todo é menos do que a soma das partes, já que as qualidades das mesmas ficam inibidas pela organização do conjunto. No entanto, cabe também a consideração, segundo ele, da importância do exame do todo. Conclusão: nada fica de fora; tudo há que ser considerado; sem precipitação, sem rapidez.
sexta-feira, 21 de abril de 2017
Deserto
Voltou.
Era outro...sabia.
Teve receio da adaptação.
Uma cama...um lar.
Não mais o chão, a poeira, as valas.
A África lhe ensinara muito.
Ligou o ar condicionado e a TV.
Depois de dois dias, retornou.
Queria trabalhar com os refugiados
Era mais feliz.
Era outro...sabia.
Teve receio da adaptação.
Uma cama...um lar.
Não mais o chão, a poeira, as valas.
A África lhe ensinara muito.
Ligou o ar condicionado e a TV.
Depois de dois dias, retornou.
Queria trabalhar com os refugiados
Era mais feliz.
sábado, 15 de abril de 2017
Pe. Antonio Vieira e a vida
"Todos imos embarcados na mesma nau, que é a vida, e todos navegamos com o mesmo vento, que é o tempo."
Neste tempo que inexiste estamos e somos, juntos. Que a contemporaneidade e a vanglória da tecnologia não nos deixe esquecer: JUNTOS.
Neste tempo que inexiste estamos e somos, juntos. Que a contemporaneidade e a vanglória da tecnologia não nos deixe esquecer: JUNTOS.
quinta-feira, 13 de abril de 2017
Espelho, espelho meu!
"O que ocorre, de fato, é que, quando me olho no espelho, em meus olhos olham olhos alheios; quando me olho no espelho não vejo o mundo com meus próprios olhos desde o meu interior; vejo a mim mesmo com os olhos do mundo - estou possuído pelo outro". Mikhail Bakhtin
Tema recorrente em Jorge Luis Borges: o espelho. Sabia que era uma leitura de mundo carregada de opiniões, tristezas, alegrias, medos, desejos, e, por isso, chamava os leitores à constante avaliação e re-avaliação.
Tema recorrente em Jorge Luis Borges: o espelho. Sabia que era uma leitura de mundo carregada de opiniões, tristezas, alegrias, medos, desejos, e, por isso, chamava os leitores à constante avaliação e re-avaliação.
Quinta-feira Santa: Pe. Antonio Vieira
"Nós somos o que fazemos. O que não se faz nao existe. Portanto, só existimos quando fazemos. Nos dias que não fazemos, apenas duramos."
domingo, 2 de abril de 2017
Nascimento
Chegou marcando seu lugar
Teorizou
Acertou
Errou
Correu até se achar de novo
Percebeu-se no mesmo lugar
Sorriu e pensou
"Daqui voo ao infinito".
Teorizou
Acertou
Errou
Correu até se achar de novo
Percebeu-se no mesmo lugar
Sorriu e pensou
"Daqui voo ao infinito".
Monteiro Lobato, da minha infância
- A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...]
A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre.
– E depois que morre?, perguntou o Visconde.
– Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?
A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre.
– E depois que morre?, perguntou o Visconde.
– Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?
Santo Agostinho, sublime
"O mundo é um livro, e quem fica sentado em casa lê somente uma página."
"Tarde Vos amei,
ó Beleza tão antiga e tão nova,
tarde Vos amei!
Eis que habitáveis dentro de mim,
e eu, lá fora, a procurar-Vos!
Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes.
Estáveis comigo e eu não estava Convosco!
Retinha-me longe de Vós
aquilo que não existiria,
se não existisse em Vós.
Porém, chamastes-me,
com uma voz tão forte,
que rompestes a minha Surdez!
Brilhastes, cintilastes,
e logo afugentastes a minha cegueira!
Exalastes Perfume:
respirei-o, a plenos pulmões, suspirando por Vós.
Saboreei-Vos
e, agora, tenho fome e sede de Vós.
Tocastes-me
e ardi, no desejo da Vossa Paz."
ó Beleza tão antiga e tão nova,
tarde Vos amei!
Eis que habitáveis dentro de mim,
e eu, lá fora, a procurar-Vos!
Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes.
Estáveis comigo e eu não estava Convosco!
Retinha-me longe de Vós
aquilo que não existiria,
se não existisse em Vós.
Porém, chamastes-me,
com uma voz tão forte,
que rompestes a minha Surdez!
Brilhastes, cintilastes,
e logo afugentastes a minha cegueira!
Exalastes Perfume:
respirei-o, a plenos pulmões, suspirando por Vós.
Saboreei-Vos
e, agora, tenho fome e sede de Vós.
Tocastes-me
e ardi, no desejo da Vossa Paz."
domingo, 26 de março de 2017
Fernando Pessoa, no desassossego
E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa: uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância – irmãos siameses que não estão pegados.
sexta-feira, 24 de março de 2017
Edgar Morin, para refletir
"A primeira finalidade do ensino foi formulada por Montaigne: mais vale uma cabeça bem-feita que bem cheia.".
(in A cabeça bem feita. RJ:Bertrand, 2015 )
(in A cabeça bem feita. RJ:Bertrand, 2015 )
O amanhã de hoje
A linha de hoje justifica a de amanhã. Penso hoje no amanhã e perco o instante. Tempo perdido. O amanhã agora é hoje.
sábado, 28 de janeiro de 2017
Clássico
Os duzentos e quatro anos, hoje, de Orgulho e preconceito, de Jane Austen chamam à uma constante indagação: o que faz com que um texto se torne um clássico? A identificação com as personagens mesmo nas diferentes gerações; a linguagem que atinge os corações de épocas diversas; os temas que parecem eternos às almas?
Há pouco vi uma notícia que não me surpreendeu: as pessoas estão recorrendo aos clássicos da literatura como terapia, relaxamento da mente. Já disse uma amigo há algum tempo: com literatura, consultórios de psicologia estariam mais vazios. É clássico. Ler torna-nos a todos mais tolerantes, mais abertos, mais destemidos. Clássico. Claro!
Há pouco vi uma notícia que não me surpreendeu: as pessoas estão recorrendo aos clássicos da literatura como terapia, relaxamento da mente. Já disse uma amigo há algum tempo: com literatura, consultórios de psicologia estariam mais vazios. É clássico. Ler torna-nos a todos mais tolerantes, mais abertos, mais destemidos. Clássico. Claro!
quarta-feira, 18 de janeiro de 2017
E mais um pouco de musicalidade...
" Ama o teu ritmo e ritma suas ações sob sua lei, bem como seus versos;
Você é um universo de universos e a alma, uma fonte de músicas."
Rubén Darío
Você é um universo de universos e a alma, uma fonte de músicas."
Rubén Darío
E no meu passo, eu vou...de verso em verso, escrevendo-me a cada dia.
Arte em comum
"A música é capaz de reproduzir, em sua forma real, a dor que dilacera a alma e o sorriso que inebria.".
Ludwig van Beethoven
A musicalidade das palavras produz o efeito catártico cantado pelos gregos. A nobreza da Música e o conjunto harmonioso das letras são capazes de penetrar a alma humana e escrutinar segredos, desejos e sonhos escondidos. Quando as artes se encontram, cada indivíduo ganha um pouco mais do conhecimento de si.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2017
E Van Gogh encontra Wilde...
"(,,,)Ele despira a túnica vermelha;
mas sangue púrpuro, encarnado,
sangue e vinho das mãos lhe gotejavam,
quando o viram, alucinado,
junto do leito dela, - o seu amor,
seu pobre amor apunhalado.
Ia andando entre os mais, e era cinzento
o traje velho que vestia.
Usava um gorro às listas, e o seu passo
ligeiro e alegre parecia.
Porém eu nunca vi homem que olhasse,
tão anelante, a luz do dia.
Jamais, jamais vi homem contemplar,
com tão profundo sentimento,
essa breve, essa estreita faixa azul
que os presos chamam firmamento:
e as nuvens brancas, velas cor de prata,
vogando no ar, flutuando ao vento!
Eu, com outras almas angustiadas, ia
andando em pátio separado,
a cismar qual o crime, grande ou leve,
por que o teriam condenado,
- quando alguém sussurrou atrás de mim:
"vão pendurar esse coitado!"(...)"
Anos os separam. A Arte, no entanto, permite estes encontros que desafiam o tempo e o espaço. Prisioneiros em Arles, de 1890 poderia ser ilustração para A Balada da Prisão de Reading, de 1897. O olhar do prisioneiro em destaque traz a dor que Wilde quis retratar.
Manoel de Barros, moderno
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios.Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
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