quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Na noite



                                             A luz esmaece
                                             O burburinho cessa
                                             O silêncio cresce

                                             À força, a página se abre
                                             Criaturas fantásticas se descolam
                                             Ligeiras
                                             Matreiras
                                             Em busca do eleito
                                             O tempo é curto

                                             Encontra-se sentado o jovem
                                             Sonhador
                                             Olhos no firmamento
                                             Livro na mão

                                             Encontra-se ali
                                             O nosso quinhão
                                             A ele corramos
                                             O canto entoemos
                                             Que seja seduzido
                                             Aquele varão

                                             O jovem sente as lágrimas
                                             Os olhos voltam à página

                                              O dia amanhece

                                              Missão cumprida.


                                   



Alice e eu - uma fábula

  "Quem é você?"
 "Ninguém."
 "Ora veja se você se parece com Ulisses. E acaso pensa que sou um ciclope? Responda-me sem gracejos. Quem é você e o que faz aqui?"
"Peço que me perdoe. Ainda estou surpresa e, confesso, assustada. Você é mesmo  Alice? A Alice de Carroll?
"Sou Alice do Pais dos Espelhos e não me lembro de nos conhecermos. Você vem de que reino?"
"Conhecêmo-nos há muitos anos. Eu ainda era pequenina e sábia. Meu reino fica distante daqui."
"Como se chega lá?"
"Daqui, não sei. Soube chegar."
"Como o fez."
"Fechei os olhos, comi um pedaço de bolo e imaginei-me com o livro aberto, no portal dos Espelhos."
"Uff! Você  é então das nossas. Por um instante pensei que pudéssemos estar passando por uma nova invasão da Rainha de Copas. Do que necessitava para recorrer a nós?"
"Repouso."
"Entendo. Seja bem-vinda. Estava a caminho da escola. Quer me acompanhar?"
"Escola, aqui? "
"A lição de hoje é de Edgar Allan Poe: Toda certeza está nos sonhos."
"É uma bela lição."
"Um pouco difícil para alguns. As pessoas estão sempre atrasadas para compromissos (lembra-se do coelho? Bem, o corre-corre dele até me foi útil para chegar até aqui) e deixam que o maravilhoso lhes escape.Você está de parabéns hoje."
"Como?! Nada fiz. Sou exatamente como você descreveu - apressada por demais."
"Você está aqui, não é? Encontrou seu territóro de repouso - esta página - que pertence a você."
"Sinto os olhos pesados, Alice."
"Hora de voltar. Venha visitar-me de novo."

sábado, 22 de setembro de 2012

Machado de Assis, profundamente plural

                A obra que, em sua gestação alimenta o desejo de resistir à inexorabilidade do tempo cronológico, propõe embates que impelem questionamentos. Abrindo-se em cada releitura a novas perspectivas de ação e reação ela traça, assim, seu destino rumo à perenidade.
              Machado de Assis, escritor com olhar de ressaca,colecionador de memórias póstumas, marca sua entrada no jogo da literatura com um exercício singular na escolha de temas que primam por um bailado atemporal. Pinçados meticulosamente, são convite para a aventura de experimentar e desenvolver as potencialidades.
               O bruxo do Cosme Velho, na alquimia das palavras, transita pelos gêneros literários 'alienando' o leitor a todo comportamento previsível e ensaia na helênica beleza de espelhos conjugados o entrelaçamento de realidade e ficção. Esaú e Jacó, Machado e leitor, parecem engendrar uma luta pelo amor da mesma musa - a letra. Mais verdadeiro, no entanto, seria firmar que são parceiros como a mão e a luva, um completando e estetizando o outro. A multiplicidade de seu corpus exalta o brilho  da vida devotada à arte. Quando o leitor pensa ter desnudado sua intenção, Machado, sempre à espreita, desfaz fio a fio o bordado das sílabas e das frases. O recuo exigirá um impulso ainda mais forte para além da obviedade, em direção ao imensurável. Este maravilhoso escritor permite a percepção do texto como corpo com espaço, tempo, cores e formas próprios que não se quer, porém, descolado do universo cotidiano porque é coincidência entre natural e artificial, entre a atividade voluntária e a inconsciente.
               Consagrando um século precursor de importantes mudanças, Machado de Assis provoca ainda hoje, com ironia e doçura, a aversão à comodidade. Em um escritor como ele, a arte sempre vence.

domingo, 16 de setembro de 2012

ainda, a carta

            Peço desculpas pela demora em voltar à carta. A emoção da releitura dos textos tomou-me de tal maneira que faltaram-me as palavras. Diverti-me depois comigo mesmo. Como para alguém que ama as palavras pode as deixar faltar? Que meu silêncio,porém, fale da importância que escritos como A alma do homem sob o socialismo ou De Profundis podem oferecer para a compreensão,não só do pensamento revolucionário de uma época,como também das capacidades adormecidas de cada indivíduo. Espíritos livres de amarras que ameaçem a imaginação e a criação teem um papel revelador em qualquer época da história. A cada releitura,Sr.Wilde, vejo-me impelida àquele passo a mais, exigido de todos os que se entendem como texto.
           Prometo ainda não atrasar-me na carta. Volto ainda.

Limiares

             A cada dia somos desafiados a ultrapassar limiares. Do umbral da porta de casa a escolhas de tarefas ou empregos. Não sabemos o que nos aguarda do outro lado - só a expectativa pela novidade que transformará mais uma vez nosso cotidiano. Cada página virada escreve e reescreve nosso roteiro,pontuado de clímax e anti-climax. Por vezes, a trama surpreende com limiares, à primeira vista, assustadores. Enredamo-nos neste texto que escrevemos com nossas decisões e com o bem que podemos fazer a partir delas. Num mundo marcado pela rapidez, ousamos caminhar vagarosamente saboreando cada palavra e cada frase como são - únicas e irrepetíveis. Cada partícula de tempo é uma palavra que não voltará ao nosso texto da mesma maneira.
             Aproveitemos o instante para 'arrumar' e 'enxugar' nossa obra de arte, atravessando limiares com coragem e repletos de alegria interior.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Ainda a carta

                   
 O emprego do paradoxo nas cativantes comédias dramáticas marcam o estilo que este novo artista gostaria de imprimir à letra vivida. Nas idas e vindas destes corpos, percebe-se uma leveza e uma atraente simplicidade. Dotadas de vigor, vestidas com o manto da arte,  com que o senhor as vestiu, as personagens deslizam pela hipocrisia da sociedade vitoriana, pincelando o contexto com novas nuances. Seus textos teem o primor e o frescor da atualidade.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Carta a Oscar Wilde

                            Caro amigo.

                            Cada palavra lida - um intrigante bailado - modificou sensivelmente minha visão acerca do papel, ou ainda, da força da obra artística.
                             Começando pelos contos infantis, declaro, sem reservas, que o encantamento persiste quando da releitura. A sensibilidade dos textos alcança o adormecido nos leitores. Não digo desconhecido, mas adormecido mesmo. O grande autor descortina, desvela o que a vida com suas exigências leva-nos, de certa forma, a deixa para trás. Foi-me relembrado o valor que algumas coisas não podem deixar de ter : a lealdade a princípios, a amizade, o desprendimento em relação ao material, o amor.
                            Acho que será uma longa carta, folgo em dizê-lo. Escrevo uma página por vez em homenagem à página que o senhor recebia por vez na prisão.

sábado, 8 de setembro de 2012

Rituais

                              O monge beneditino Anselm Grün em seu livro 50 rituais para a vida, destaca a importância dessas atitudes como lugar de encontro.
                              Pus-me a considerar como alguns escritores, seja em busca de inspiração ou mesmo como espaço de recolhimento, exercitam rituais na criação. Oscar Wilde, por exemplo, não saía de casa sem um caderninho de anotações. Alguma frase ou comentário, alguma situação ou incidente que acreditava pitoresco, anotava como tema para debates com amigos ou novos escritos. Ainda ele, à noite, contava histórias para os filhos antes que estes adormecessem. Alguns outros escritores contam que visitavam as cidades que serviriam de cenário para seus livros antes de confeccionarem os textos. Outros ainda fecham-se em um quarto ou na biblioteca pessoal para,no silêncio, aguardarem o amanhecer das palavras antes adormecidas. Rituais fazem parte de nós e trazem uma certa segurança em meio a tantas incoerências. Os amantes da arte buscam nos rituais este espaço onde o mundo descrente não tem vez; onde a fantasia se apropria do tempo e do espaço; onde existências imaginárias dançam livremente e oferecem um colorido inusitado ao cotidiano.
                               Um belo ritual para tranquilidade da mente é a leitura de uma página literária por dia. Que tal?

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Nos passos do Rio antigo II


                  No Cosme Velho do bruxo Machado de Assis, exercito meu olhar de ressaca e vislumbro por entre as belas casas as cores dessa pena que destacou com destreza a alma humana, deliciando leitores de todas as épocas. Confundindo certezas, Machado habilmente mostrou o paradoxo de uma sociedade: o preconceito e a afabilidade; a rudeza e o acolhimento.
                 Intrigas, ciúme, desentendimentos, temas que contribuíram para uma profunda análise de comportamento. Também por causa de Machado enxergo mundo com outros olhos.

Nos passos do Rio antigo


                Caminhando pela Rua do Ouvidor, imagino-me com o olhar aguçado do detetive literário João do Rio. Como flâneur ele examinava a alma da cidade que se queria a Paris Tropical em meados do século XIX e início do XX. Admiro o cuidado de retratar o que podia observar nas ruas, nos salões,nos teatros; o comportamento e a atitude de umapopulação que se concentrava no centro e entre a tradição e a modernidade procurava o seu lugar. João do Rio deu voz e chamou a atenção para estes excluídos que recebiam as consequências do que exigia a virada de século. O mundo mudara, uma nova classe social - o proletariado - se formava e João com a pena no compasso deliciava seus leitores com perspicácia e ironia.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

No labirinto com Borges

 Em Arte poética:

                             "Fitar o rio feito de tempo e água
                              E recordar que o tempo é outro rio,
                              Saber que nos perdemos como o rio
                              E que os rostos passam como a água.

                              (...)

                              Às vezes pelas tardes certo rosto
                              Contempla-nos do fundo de um espelho;
                              Aarte deve ser como esse espelho
                              Que nos revela nosso própro rosto.

                              (...)"


   Vejo-me muitas vezes nas linhas destas obras que perduraram e sinto que,como eu fui modificada por elas, suas páginas também foram por mim modificadas.

domingo, 2 de setembro de 2012

Jane, Oscar e eu II

"Mesmo reconhecendo o merecido sucesso de Orgulho e preconceito, confesso que o meu favorito foi Persuasão."

"O tema oferece mesmo motivo para reflexão. Quantos de nós  somos persuadidos a apresentarmos determinado comportamento ou opinião para sermos aceitos no grupo, não? Ann foi convencida a renunciar ao grande amor porque a situação econômica do jovem não condizia com sua condição. O Capitão Frederick conservou-se fiel ao sentimento, apesar da mágoa."

" Uma das minhas partes favoritas: a carta em que ele declara que há oito anos esperava por ela. A carta é uma forma de expressão tão íntima e pessoal. Penso ter sido a escolha perfeita."

"Concordo plenamente. A carta mais longa que escrevi foi De Profundis. Mesmo persuadido a desistir pelas circunstâncias e dificuldades (só recebia uma folha de papel por dia e não podia reler o já escrito anteriormente), impelia-me a vontade de mostrar na letra a dor e o aprendizado."

"Caro Oscar. Releio a carta para de alguma maneira compartilhar o que sentiu."

"Jane, Jane. Sempre encantadora. Não pense que não recorro a seus textos com frequência. Simplesmente adoro sua análise de personalidades."

"Hoje,permitam-me, eu gostaria de propor um brinde de agradecimento. Nas entrelinhas da história, vislumbramos um ponto de encontro. A nós."

O silêncio na entrelinha

                         Toda obra literária conserva, entre os sons e os ruídos das frases, muita informação no silêncio das entrelinhas. Poderíamos ir ainda além: os silêncios entre cada palavra guarda alguns segredos que, ao longo dos anos, vamos decifrando, um a um, vagarosamente. Neste sulco, o autor lança sementes que o leitor atento fará florescer. Um texto lido em diferentes fases da vida trará diferentes matizes. Deste silêncio que fala retiramos ensinamentos, advertências, novos movimentos para a grande biblioteca do mundo.

sábado, 1 de setembro de 2012

Jane, Oscar e eu

"O século XIX gerou artistas singulares que selaram seus destinos em textos provocantes, sempre à procura de respostas e ousando formular curiosas perguntas. Como você, Jane Austen, conseguiu se destacar em uma sociedade predominantemente masculina?"

"A jovem parece estar me entrevistando, Oscar. Deveríamos conversar informalmente."

"Deixe-a, Jane. Os encontros com você sempre evocam questões nos leitores e admiradores. Gostaria também de saber sua resposta."

"Desculpem-me. É a empolgação."

"Ora, deixe disso. A verdade é que o Sr. Wilde diverte-se quando a atenção se volta para mim e coro como uma adolescente."

"Ah, deveras."

"Sinto tê-la ofendido."

"Você não me ofendeu, querida. Não foi nada fácil. Espíritos livres que se recusam a perpetuar convenções que limitavam a força imaginativa e criadora enfrentaram consequências sem, contudo, nutrir arrependimento algum. Minhas histórias estão recheadas de romantismo com aquele toque indagador acerca do papel da mulher, sempre submissa e dependente de imperativo casamento para plena realização pessoal e social. Oscar, você como ninguém enfrentou os que chamou de filisteus quando do lançamento de sua Salomé."

"Uma mulher que despiu-se dos receios e vestiu-se de sedução, dançando para a morte. Uma ousadia que me custou diversas explicações e a publicação em língua francesa como repúdio às críticas sem sentido."

"Eu amava a letra e queria viver dela, com ela. Foi um caminho árduo,mas válido em cada instante."

"E para você, Sr. Wilde?"

"Oscar, por favor. Vivi na arte e pela arte. Não saberia ter vivido de outra forma. Imaginei cada passo como se imagina e escolhe a frase ideal a ser dita por cada personagem. Espero, agora, sua Ode à literatura. Jane e eu a convidamos  para  um brinde. Ao que virá após as reticências..."

Da literatura

                     O professor catedrático da Universidade de Bristol H.D.F. Qitto diz em seu livro Os gregos: "O que destila, conserva e enriquece a experiência de um povo é a literatura."
                     A força desta palavra que se quer imortalizada se insinua  e feliz o povo que a abraça e acolhe, reconhecendo nela a perpetuação de sua cultura. Escrever para ler e reler os costumes, hábitos e pensamentos de personagens que não se abstiveram de imprimir suas marcas para que aqueles que viessem depois pudessem desfrutar dos movimentos em cada ato. Cada texto vivido e descrito revela forçosamente a vontade de progresso e desenvolvimento.

                     Sempre amei os livros e tive com eles uma relação muito pessoal;  acredito que a literatura tem um encanto curativo. Ela dá esperança num futuro que parece próximo. Frequentemente aconchego-me nas páginas de certos livros quando necessito de silêncio,  de um sorriso ou mesmo de soltar de vez as lágrimas retidas. O texto literário é sempre generoso. Temos caminhado juntos. Ele me escreve e eu leio. Minha história vai assim sendo fiada.

Qual sua personagem favorita? II

O Rouxinol... O Rouxinol e a Rosa é um adorável conto infantil do querido Oscar Wilde. O pássaro tão cantado pelos poetas personifica um ve...