sexta-feira, 22 de junho de 2012

Oscar Wilde- por quê? (parte da introdução de minha tese)


 PRIMEIRAS PALAVRAS


    
   

Muito foi dito e escrito sobre Oscar Wilde, e cada máscara coube-lhe com perfeição. Escolhemos, aqui, mascararmo-nos e adentrar em seu labirinto – assumindo o risco de nos perdermos para sempre – a fim de experimentar sua ousada escrita.

Nosso percurso não segue uma lógica: é movimento inquietante que parece ora nos levar para frente ora fazer-nos retroceder! No entanto, é só progressão e nunca fracasso ou decepção. O alvo é o infinito – a que não se chega, porque se pudéssemos fazê-lo, não mais o seria. Porém, não residiria aí a resposta para a ‘felicidade’? Não é o calor da busca que impulsiona e faz com que nos sintamos tons de eternidade?! Buscar já não é uma forma de conhecer?

Começamos em movimento espiral pelo centro por ele escolhido: a obra de arte a partir da qual se viveria sob modelos supra-humanos. Por ela e nela nos moveremos daqui por diante, como a Alice de Carroll: às vezes, temerosos, presos ao que pensamos ser seguro, mas vertiginosamente do centro para a periferia e vice-versa, sempre para cima. Sentimo-nos seus ‘novatos eleitos’, mas sabemos que, para o sermos, de fato, precisamos poetizar-nos, deixando que o esteta nos conduza. A condição, no primeiro momento, é deixarmo-nos ser, sorvendo suas idéias com atenção, para além das cortinas tecidas pela razão. O esteta guia nossos primeiros passos; depois parece abandonar-nos. Sua figura, central, recua cada vez mais do possível lugar de uma revelação. Sabe que a chave que desarma a aventura esboça outros enigmas e se diverte.

Adentramos, assim, seu mundo, mas, sem sairmos de nós próprios, narrando, destarte, as aventuras de nossas almas nos seios das obras. Afinal, acreditamos que para nos conhecermos, precisamos renunciar ao que imaginamos de nossa individualidade.Seguimos esse audacioso mestre da iluminação em silencioso andar pelo mutável.

Enamorado da filosofia shopenhauriana, por volta do verão de 1876, em troca de idéias com a mãe2 , acreditamos ter-se voltado para a alegria a Nietzsche, rejeitando a auto-anulação da vontade e a mortificação dos sentidos passando por entre lutas e paixões, aventuras e perigos. Se a vontade é fonte de todo sofrimento, só por ela, compondo-se pela ruptura, exercitaria a liberdade poética. Como diz Michel Foucault:



  “Após Zaratustra, o retorno da filosofia-teatro; não absolutamente reflexão sobre o  teatro;  não  absolutamente teatro  prenhe de  significações. Mas a filosofia tornada cena,  personagens, signos, repetição de um acontecimento  único e que jamais se reproduz.”



         À medida que nos embrenhamos em suas paisagens, o esteta sorri-nos.

E, como aqui tudo é possível, voamos para uma visão panorâmica e constatamos, sem surpresa, ser tudo um grande livro - tema recorrente: a obra literária como ponto de convergência de um labirinto. Seguimos no livro – como num jogo de liga-pontos – em que a imagem de um rosto é traçada em cada capítulo, para logo adiante desaparecer; cada página contendo elementos representativos de sua obra. Escolhidos por nós? Não sabemos mais. Diverte-se o trocista. Desvendar seus segredos, seus enigmas, classificá-lo seria uma segunda morte.

Este trabalho pode definir e explicar as várias impressões recebidas da obra de arte, entretanto, a escolha buscou ser a de coincidir com o que nela há de único e inexprimível. A obra diz e esconde, faz-se e nunca está feita porque exige perspectivismo Oscar Wilde não se resumiu a sua obra e, sim, resumiu-se nela. Apesar de parecer sempre ‘preencher’,‘ornamentar’ as narrativas por inteiro, deixa espaços em branco à espera. Obra irreal como um tapete persa; força de oralidade numa escrita que não se cristaliza porque se sabe recebida de maneiras diversas. O interesse de Wilde estava em como seu público poderia ser afetado e afetar as histórias – que poderiam, assim, ser recriadas indefinidamente.

         Projetando-se como mergulhador délio, em luta contra a insaciabilidade, do prazer que durou os instantes de pouco mais de quarenta anos, passou a experimentar a dor de uma vida inteira enquanto esteve na prisão - “não há verdade comparável com a dor e há momentos em que penso que a dor é a única verdade possível(...) da dor que surgiram os mundos e sempre houve sofrimento ao nascer uma criança ou uma estrela(...)” (WILDE, 2003, p.1396). Entretanto, refuta a renúncia ao mundo; liberdade que viria de outra constatação: “o amor, qualquer que seja sua categoria(...)” (WILDE, 2003, p.1397). “Compreendi que a única coisa que poderia fazer era aceitar Tudo. Desde então, por estranho que pareça, tenho sido mais feliz(...)” (WILDE, 2003, p.1402).Percebeu que cada ato escolhido de vida importava e que o não vivido permaneceria dentro dele, em seu inconsciente por toda uma eternidade. Tornou-se um porque passou pelas cinzas; não sofreu pelo que não viveu. Esta adesão à força da vida, ativa e não passiva, fortificou sua presença de homem moderno e o fez crer que algo se introduziria em sua obra, “ (...)uma plena memória verbal, cadências mais ricas, efeitos mais curiosos, uma ordem arquitetônica mais simples ou, quando menos, certa qualidade estética.  (WILDE, 2003, p.1413). É inegável o impacto schopenhauriano e o surpreendente ultrapassamento. Destaca Joseph Pearce em The Unmasking of Oscar Wilde que, em carta à mãe, Wilde sintetizara a questão do pessimismo naquele filósofo, dizendo que ele acreditava que toda a humanidade deveria se encaminhar para o mar e deixar o mundo; o problema era que, invariavelmente, furtivos elementos se esconderiam, deixados para trás, e povoariam o mundo novamente. Tem-se, então, uma clara oposição entre o trágico como elemento fundador da existência humana e a seriedade da reflexão acerca das dores da vida. Para ser o homem que buscou em tudo a superação – um super-homem para um super-tempo -,  colocou-se ao lado de outras pessoas, conseguindo um vivenciamento de si como outro. Esteticamente, na categoria de outro, alcança o esbanjamento interior, mas não solitário, do corpo. Rejeita a resignação, pois se assim não fosse se negaria como obra de arte.


 Alegria, essa satisfação incoerente, força de superfície que cresce do conhecimento do caráter trágico da vida e que, por isso, permite uma profundidade outra; força que capacita para um saber alquímico.

   
             

         O chão falseia, sentimo-nos invadidos pelo simulacro, com o mundo desrealizado à nossa volta. O espaço sulcado exige a conformidade do corpo – ora alargando-o, ora encolhendo-o. Pergunta-nos se vacilamos. Não! Como estagnar ao sol se somos do tamanho do que vemos! 9

Participamos, agora, da mesma viagem por ele empreendida, partilhando do fascínio que esta escrita que se quis e se viu condensadora de sentimentos e atitudes suscitou, sem, contudo, estabelecer níveis ou constituir valor. Sabemos não ser possível fundir-nos a ele  para não deixar escapar o acontecimento que foi sua vida. Só queremos (como ele o quis) parecer ser mais do que somos na realidade; não podemos ver nossa presença genuína - efetivamente nunca acreditamos até o fim que somos apenas este aqui e agora.Ele escolheu refletir seus mestres.Com a vida reconstruída, neste mundo visível, teve rostos ímpares em toda a sua plenitude. Criou um todo estético que permitiu ao contemplador uma co-vivência.

Como leitores, obedecemos, somos ensinados, provocados, irritados Lutamos com a obra, contornando-a, somos vencidos pela letra que ordena. A palavra acorda quando o livro é escolhido e atualiza-se, age, para de novo sumir. Se a letra passa, nós, os leitores, ficamos, alterados por ela. Diz Elysio de Carvalho – admirador de Wilde e um declarado ‘nietzschiano’ em Esplendor e decadência da sociedade brasileira:



        “a vida tem de fazer-se, como  a  composição de um poema

         ou de um quadro, é arranjada por um artista, como se faz uma

         obra de arte(...)” .



Nossa tentação aqui foi a de juntar às obras a nossa leitura no embalo da ilusão de um criador em segundo grau.Aceitamos o convite feito no prefácio de O retrato de Dorian Gray e buscamos o que há sob a superfície – conscientes do perigo de que a arte espelha a nós, espectadores, e não à vida:a nós, múltiplos e mutáveis Esculpimos, fixamos algumas perspectivas pelas obras que parecem mundos autônomos, instintivamente procurando nelas nossos traços.  Aprendemos, então, que na busca pelo significado das obras, refletimos, na verdade, sobre o porquê da necessidade desta busca. Encaramos o fato de que o percurso nos torna diferentes e não as conclusões a que possamos chegar.

A obra artística de Wilde nos escolheu para confundir nossas certezas, questionar nossos limites. A impressão que isso nos causa? Seu efeito, seu prazer? Percebermos que, vivendo na idéia de que não existimos em toda a nossa potencialidade, levamos a eterna esperança na permanente possibilidade do milagre interior de um nascimento,

Como nos lembra Foucault, para sonhar não é preciso fechar os olhos e sim, ler A vida quando estamos despertos não dispõe das mesmas interpretações que se nos apresentam na vida de sonho; é refreada, uma linguagem convencional, com juízos morais,limites e a eleição do ‘essencial’. Essas avaliações, de fato, escondem um desconhecido onde estranhos instintos esperam por serem saciados. Viver é imaginar, disseram Wilde e Nietzsche em várias ocasiões. E o esteta nos aconselha a deixar a língua falar e não tentar dominá-la.

Sonhamos, assim, nosso sonho, em que as difusas formas, repetidamente, nutriram estas páginas.  Nada nos parece ser tão nós mesmos.






Esta é parte do capítulo introdutório de minha tese.










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