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“Se deseja você compreender os demais, deve intensificar sua própria
personalidade.” (p.1137).
Wilde
apreendeu pela leitura que sempre fora e seria um com todos. Sua própria
personalidade sentiria a influência das demais, contudo, procurou
desvencilhar-se ao máximo de todo cerceamento e mostrar com a revolução em seus
costumes que qualquer um poderia e deveria fazer o mesmo para assim,
multiplicar sua ação no mundo.
Até
a divergência de opiniões dependeria do entendimento de como ‘funcionava’ a
ação do outro na sociedade. Só assim o artista poderia desvelar para este
‘adversário’ que, na verdade, a busca fora e será sempre a mesma: a felicidade.
Entretanto, uma felicidade que deveria ser primeiramente individual para surtir
um efeito coletivo. Acreditamos na irritação e em uma dose de impaciência que
Wilde sentia em dados momentos, mas o que parecia vencer estes sentimentos nele
era uma intensa complacência e compreensão por uma dor que deveria acompanhar
estas pessoas que recusavam a natural alegria de viver. O movimento de
utilização de máscaras deveria acelerar à medida que sentia a dor mais aguda da
rejeição e a voz tornava-se ainda mais forte: “o eleito vive para não fazer
nada(...)Ilimitada e absoluta é a visão daquele que descansa e observa, do que
caminha em solidão e sonha” (WILDE, 2003,p.1143). Seu olhar é olhar de fogo, do
fogo heraclítico, mediante o qual nada pode subsistir sem sua pluralidade e até
mesmo sem suas doces contradições. Diz Nietzsche em Genealogia da moral- prólogo que “ nosso tesouro está onde estão as
colméias do nosso conhecimento. Estamos sempre a caminho delas, sendo por
natureza criaturas aladas e coletoras do mel do espírito, tendo no coração
apenas um propósito – levar algo ‘para casa’...como alguém divinamente disperso
e imerso em si, a quem os sinos acabam de estrondear no ouvido...e súbito
acorda e se pergunta ‘o que foi que soou?’, também nós por vezes abrimos depois
os ouvidos e perguntamos, surpresos e perplexos(...)‘o que foi que vivemos?’(...)continuamos
estranhos a nós mesmos(...)). Aventurar-se em si. Não só para compreender os outros,
como para se ver por inteiro.
“Não
existe nenhum estado de alma, nenhuma paixão que a Arte não possa exprimir para
nós, e aqueles de nós que descobriram um segredo podem fazer constar de antemão
os resultados de suas experiências. Podemos escolher nosso dia e marcar nossa
hora. Podemos dizer a nós mesmos: ‘amanhã, ao raiar da aurora, passearemos com
o grave Virgílio pelo sombrio vale da morte’.” (p.1139).
Passar
da morte dos ideais para uma vida repleta de perspectivas. Atravessar o vale
das sombras sem temor, sem procurar atalhos, sabendo que até ali haveria luz;
extasiar-se e embriagar-se na penumbra sabendo que escondia clarões de
existências multiplicadas. Só a arte poderia proporcionar tal vibrante estado. Para isso, era preciso permitir a ação do
sonho. Lembramos Nietzsche que no aforismo 128 de Aurora nos diz que nada é
mais nossa obra que os sonhos; nele somos matéria, forma, duração, atores e
espectadores, somos nós mesmos. Fazer girar a ampulheta quantas vezes se
quiser, sem achar que haveria retrocesso. Deixar o corpo sentir a leve brisa da
atemporalidade, que o incentivará na ousadia de atitudes. Fruir perfumes
convertidos em pura poesia; encontrar para uma dor, até que ela se torne
querida, expressão de alegria - até que se intensifique o êxtase. Se
consentíssemos em enfrentar o espelho – amigo inseparável de Borges -,
admitindo só termos imagens para ‘ver’ e que as
aplicamos à mente de acordo com tendências
que decidimos reprimir ou professar. A descida ao ‘inferno’ do nosso eu é
acompanhada pela Arte e a ela, por isso, devemos gratidão. Esqueceríamos a
‘imperfeição’ de supor a existência como coisa definida.
O esteta continua, dizendo que “se
vivêssemos o suficiente para vermos os resultados de nossos atos, poderia
suceder que os que se chamam bons se vissem aflitos por um pesado remorso e que
os tachados de maus pelo mundo gozariam de uma nobre alegria(...)” (WILDE,
2003, p.1126).
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