A
reunião
se arrastava com a sequência estatística que eu havia lido há duas semanas.
Brincava com o lápis na mesa, ao mesmo tempo que lembrava das palavras de D.
Maria no dia anterior: - O senhor
precisa comprar feijão. A despensa está ficando vazia. Vou fazer uma lista, mas
de pronto preciso de feijão.
Feijão,
ora. Sabia que precisava do feijão. Às vezes, porém, o feijão consumia-lhe as
forças; exigia demais dele: toda a sua atenção. Ali estava ele, na sala de
reuniões... pelo feijão. O que queria mesmo era um pouco de sonho. Só para devolver-lhe
um tanto da energia de que gozava quando jovem. Alguns instantes seriam
suficientes. Subitamente, o alarme de incêndio soou estridente. Meu colega
cochichou-me aos ouvidos: - Não se assuste, é treinamento. A Brigada dos
Bombeiros exigiu e propusemos o dia de hoje. Lá se vão trinta minutos pelo
menos.
Trinta
minutos. Era o suficiente. Desci as escadas apressadamente e cheguei logo à
rua. Nunca aquela rua pacata parecera tão encantadora. Fechei os olhos por
alguns segundos e quando os abri vi um imenso labirinto e todos os homens e
mulheres da empresa passando por suas curvas como a procura de sápida. Eu,
espectador, enxergava claramente o ponto de chegada e o caminho que deveria ser
percorrido. Ri porque, diferente de Teseu, não precisaria do fio de Ariadne. As
escolhas erradas dos indivíduos, no entanto, desesperavam-me. Comecei a gritar
feito louco:
-
À direita, você. Não, você de camisa azul, À direita. Não!
Não
pareciam me ouvir. Na verdade, não pareciam incomodados em circular por vias
que não levavam à saída. O olhar apático, passo desleixado e veloz impediam a
descoberta da nova perspectiva; aquela que os tiraria do labirinto. Suspirei e
puxei o caderno de notas do bolso. Escrevi: “Não preciso de mais feijão. Tenho
o suficiente. Preciso do sonho: para sobreviver e ainda conservar a capacidade
de deslumbramento. “ Fechei os olhos; ouvi o som da sirene do carro dos
bombeiros. Abri os olhos e o Matias já me acenava para voltarmos. Lembrei-me do
Lara de Orígenes Lessa e sorri. Muito bem...agora...ao feijão. Até o próximo
sonho.
Eu consegui agora me transportar com o seu conto Stella. A dualidade entre a realidade e o sonho retratada de forma sutil. Adorei lembrar da obra que li quando era adolescente.
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