segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Contos de um leitor voraz IV


Acordei sobressaltado. Olhei o relógio: duas horas. Levantei e tomei um copo d’água. Sentei-me já quase certo da insônia. Ao menos duas vezes na semana era acometido deste mal. Hoje, porém, decido que farei disso um bem. Vesti-me rapidamente, pus o caderno de notas no bolso e saí. Ao passar pelo corredor, olhei de relance para o espelho. Meu rosto não parecia abatido. Muito pelo contrário, parecia que eu havia rejuvenescido.

A brisa agradável foi um alento para minha mente conturbada. Fiz sinal para um táxi e rumei para o centro da cidade. Os bares ainda estavam lotados e algumas pessoas dormiam nas calçadas. De modo geral, no entanto, o silêncio insistia em imperar. Dentro da noite, mais uma vez, lembrei-me de João do Rio e busquei escrutinar cada vela e recanto à procura – de quê não sabia ao certo; o tempo diria. Se mistério não houvesse, criaria. Afinal, em mim estavam histórias que pululavam no anseio por vida.

Senti que alguém me seguia; olhei para trás e percebi um vulto. Havia uma neblina estranha e só pude discernir o que parecia ser um chapéu. As batidas do coração aceleraram, assim como o meu passo. Tive dificuldades de caminhar por que a neblina se tornara densa, de súbito. Ainda conseguia ouvir os passos atrás de mim. Virei em duas ou três esquinas, sem saber mais onde estava; tinha perdido toda a referência. Senti uma vertigem e apoiei-me nas paredes e muros. Não podia mais. Parei e entreguei-me à sorte. O som dos passos tornou-se mais límpido. Senti a respiração do estranho próxima de mim.

- O senhor deixou cair este caderno ali atrás. Aqui está. Boa noite.

Sentei-me na calçada, permitindo que o suor descesse pelo rosto e corpo livremente. Tomei o caderno e escrevi: “Fui perseguido por meus medos e anseios. Estava envelhecendo e isso era assustador. Gostaria de ser jovem para sempre como Dorian Gray. Oscar Wilde havia penetrado minha noite – o tempo passara e eu me reconhecia finito.”.

Levantei-me e busquei um ponto de táxi. Ao chegar à casa, deitei na cama com a roupa que estava e dormi por dois dias inteiros. Quando acordei, havia vários recados na secretária eletrônica. Retornei todas as chamadas. Tomei um banho. A partir deste dia, nunca mais tive insônia.

 

2 comentários:

  1. Na verdade, em toda a série dos Contos, o personagem é o mesmo. Ele sou eu ou o leitor que quiser se identificar. Bjs

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